terça-feira, 30 de dezembro de 2008

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Se foi, não é nem será

Janio de Freitas, Folha de S. Paulo

Assinado por Lula o decreto que altera as regras do sistema de telefonia, para permitir que a Oi/Telemar compre a Brasil Telecom e, exceto pequena área, tenha o monopólio da telefonia fixa no Brasil, por um instante preciso levar esta coluna de volta no tempo.

Véspera da posse de Lula em seu primeiro mandato, em 31 de dezembro de 2002, assim conclui o texto "Lula, uma pessoa", depois de narrar dois incidentes em que me fez acusação política injustificada e uma grosseria sem causa: "Não apesar disso, mas também por isso, como por tudo o que soube a seu respeito, dou testemunho de que Lula tem sido uma pessoa de caráter provado e comprovado. Que assim seja o presidente".

O uso de "tem sido", e não de "é", refletiu três razões. Já passei pelo suficiente para ter uma pequena idéia da natureza humana em sua relação ambiciosa com as diferentes formas de poder; Lula entrava no teste de sua vida, e nada me habilitava, nem me habilita, a avalizar o futuro opaco; e, ainda, protegia-me de situações decorrentes de ultrapassar, se o fizesse, os limites factuais do que entendo como jornalismo.

Por sorte, nesse caso a experiência colaborou. O voto final daquele texto não se cumpriu. Nem mesmo com precaução redobrada, superei o sentimento de que nunca poderia escrever, sobre o Lula desde seus primeiros atos de presidente, o que escrevera sobre o Lula anterior pelo que dele soubera. O sentimento passou a convicção.

O favorecimento à Oi/Telemar e à Brasil Telecom é uma transação mais inescrupulosa do que todas de que possa lembrar. É fácil admitir que as empresas e seus controladores estejam adequados aos modos, meios e fins legítimos nos domínios do grande capital, onde são expoentes. Nem mesmo a participação decisiva de diferentes partes do governo poderia surpreender. Mas a transação não dependeu disso.

Quando cheguei ao jornalismo, sem a mais remota idéia de que ficaria, certo dia alguém me contou uma história que valeu para sempre desde ali. Era relativa à alteração que "o ínclito presidente Dutra", exemplo definitivo de moralidade e fidelidade ao "livrinho" da Constituição, fez na legislação de heranças. Ampliou o alcance de parentes não-imediatos à herança, na falta de parentes próximos. Tudo fora urdido na diretoria do "Diário Carioca", informada de que no interior de São Paulo uma bela fortuna vagava à falta de herdeiros habilitados.

Uma trama de cartórios e certidões gerou um parentesco enviesado, enquanto era obtida a concordância da Presidência para a alteração da lei. A fortuna encontrou um destino: foi rateada na fraternidade entre dirigentes do jornal e integrantes do governo. Quando a ouvi, pude comprovar que alguns traços da história já figuravam em certo livro de direito como o "caso Cantinho", do nome do morto sem herdeiros. Mas tudo foi feito e mantido na surdina.

Na armação do negócio Oi/Telemar-Brasil Telecom-governo Lula, até o mínimo escrúpulo das urdiduras encobertas ou disfarçadas ficou como coisa do passado. Há mais de meio ano, está escancarada a participação do próprio Lula, com o assegurado decreto de alteração das regras impeditivas do negócio. E, depois, com a necessária nomeação, para neutralizar duas discordâncias na Agência Nacional de Telecomunicações, de dois favoráveis ao negócio. Um deles, dirigente de uma das empresas da transação. Sem esquecer os R$ 8 a 10 bilhões com que, por ordem de Lula também divulgada à vontade, o BNDES e o Banco do Brasil vão ajudar a compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar.
Co-artífices da operação, o embaixador Ronaldo Sardenberg, presidente da Anatel, e Hélio Costa, ministro das Comunicações, que foi contra o negócio começado às suas costas e, por obra de algum dos milagres comuns nessas transações, de repente tornou-se entusiasta na linha de frente.

Engulo, mas não posso digerir, o voto inútil que fiz a Lula.

Folha de S. Paulo, 23 de novembro de 2008

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Carta de Paulo de Tarso Venceslau a Lula denunciando corrupção no PT

São Paulo, 23 de março de 1995

AO PRESIDENTE NACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Companheiro Lula,
Há muitos meses que eu pretendia falar ou ao menos me comunicar com você, pessoalmente, para que não pairasse qualquer mal-entendido. Só não o fiz antes por causa da campanha eleitoral. Creio que agora que você reassumiu a presidência do PT poderemos esclarecer o que ocorreu, em 1993, na administração petista de São José dos Campos. Esclarecer com o companheiro Lula não mais como candidato, mas como liderança máxima do PT, um partido que veio para mudar a História desse país.

Serei objetivo para que, se houver interesse de sua parte e da direção do PT, possamos aprofundar o assunto no momento e no local mais convenientes.

Tive a (in)felicidade de, como secretário da Fazenda de São José dos Campos, descobrir uma série de irregularidades do governo anterior, que envolviam políticos comprometidos com o PTB, PMDB e com o famigerado PRN. Uma dessas irregularidades envolvia uma empresa bastante conhecida das administrações petistas: a CPEM - Consultoria Para Empresas e Municípios.

Essa empresa era representada por pessoas ligadas à direção do PT, como os irmãos Roberto e Dirceu Teixeira. Outras vezes, era apresentada até pelos prefeitos em exercício, como no caso de Campinas, em 1990, em que o prefeito era o então petista Jacó Bittar, como uma empresa de gente amiga e que poderia ajudar nosso Partido. Essa história é longa e nós, eu e você, tivemos oportunidade de conversar sobre o assunto, na primeira sede do governo paralelo. Aliás, foi o próprio Jacó Bittar quem me trouxe, pessoalmente, como militante petista e secretário das Finanças de Campinas para essa conversa com você.

Soube, posteriormente, que o mesmo se sucedera em outras administrações petistas, como no caso de Santo André, Diadema, Santos e Piracicaba, pelo menos. Eu me lembro muito bem que foi difícil convencê-los, no caso de Campinas você e o Jacó, que não era conveniente contratar uma empresa, sem licitação, para desenvolver um trabalho que as equipes internas das prefeituras tinham condições para executar.

Em 1993, fui convidado e assumi o comando da Secretaria da Fazenda, indicado, segundo o pessoal de São José dos Campos, pelos então deputados federais Aloízio Mercadante e José Dirceu. Com certeza, nunca solicitei nada a esses dois companheiros. Minhas ações sempre foram norteadas por princípios adquiridos ao longo de minha vida e dos quais não abro mão. Afinal, são valores que custaram muita luta, prisão, tortura, morte e exílio para centenas de companheiros e amigos.

Logo no início do governo petista em São José dos Campos, verifiquei que a CPEM era uma das maiores credoras da Prefeitura: já havia recebido mais de US$ 10 milhões e teria, ainda, um crédito superior a US$ 5 milhões, cujo pagamento jamais autorizei, apesar das pressões recebidas. Em pouco tempo, levantei as irregularidades que marcavam o contrato com essa empresa, favorecendo o que havia de mais podre no cenário político do Vale do Paraíba. Fiz questão de alertar a direção do PT e, em particular, Paulo Okamoto. Aproveitei uma reunião de secretários das Finanças, em Ribeirão Preto, no dia 23 de abril de 1993, para alertar os demais companheiros sobre o risco que poderiam correr caso contratassem aquela empresa. Acabei sendo admoestado pelo próprio Paulo Okamoto por ter falado demais em uma reunião que havia pessoas de outros partidos. Nesse dia, entreguei, para o Partido, o início de um dossiê sobre a CPEM contendo o parecer da comissão de sindicância que instalara para apurar as irregularidades daquele contrato.

A história é longa, como bem sabe, até por força de nossos encontros e conversas. Cheguei a sofrer ameaças como o cerco promovido por três homens, que estavam em um Gol branco, chapa DQ 4609, posteriormente constatou-se que se tratava de uma chapa fria, contra o carro oficial da Prefeitura, dirigido por um motorista de carreira.

Apesar de tudo, entre outros sucessos, durante os nove meses que permaneci no comando das finanças públicas de São José dos Campos, consegui, a custo zero e sem aumento de impostos, os melhores financeiros da história daquele município. O orçamento histórico de cerca de US$ 100 milhões aproximou-se de US$ 250 milhões em 1994. Consegui provar, inclusive na Justiça, que a CPEM era inidônea - foi condenada a devolver US$ 10,5 milhões para os cofres municipais.

O prêmio foi minha exoneração na noite de 13 de setembro, coincidentemente no mesmo dia em que encaminhei, pela manhã, formalmente, à Prefeitura e ao secretário de Assuntos Jurídicos, o resultado da auditoria externa que havia contratado e, ao mesmo tempo, solicitava uma série de medidas contra a referida empresa, junto ao Tribunal de Contas do Estado, Secretaria da Fazenda e à própria Justiça.

Pego de surpresa, cobrei da prefeita o motivo do meu afastamento, uma vez que eu era titular da secretaria que apresentava os melhores resultados práticos. Entre soluços constrangedores, a Prefeita me informou que Paulo Okamoto, representando a direção nacional, e Paulo Frateschi, pela direção estadual, "tinham pedido minha cabeça".

Esses dois tristes personagens sempre negaram o que a Prefeita me afirmara.

Posteriormente, os companheiros Aloízio Mercadante e Gilberto de Carvalho, segundo eles, entraram com uma representação junto à Executiva Nacional. Passado mais de um ano e sem qualquer resposta de quem quer que seja, não vejo outra alternativa a não ser essa: enviar uma carta, devidamente registrada no Cartório de Títulos e Documentos, solicitando do Partido dos Trabalhadores, oficialmente, informações sobre a dita representação e, ao mesmo tempo, que a Executiva Nacional se manifeste a respeito. Temos que impedir que o nosso querido Partido perca seu patrimônio mais importante: a credibilidade crescente junto à população e a confiança de que não seremos condescendentes com dilapidadores de recursos públicos. O PT não pode ser colocado na vala comum dos partidos tradicionais e políticos demagogos descritos pela máxima "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".

Entenda, companheiro Lula, essa minha carta como um esforço para se evitar que o silêncio, diante de tudo o que aconteceu, possa parecer como uma tentativa de acobertamento das atividades de uma empresa como a CPEM. Atividades que envolveram recursos públicos da ordem de milhões de dólares, financiamento de campanhas eleitorais de partidos e candidatos de direita, contratos condenados pela Justiça, e, no meio disso tudo, militantes do Partido dos Trabalhadores. Terminar em pizza seria um fato muito grave para o nosso Partido e para milhões de brasileiros que depositam sua confiança na sua história construída ao longo de muito sofrimento e luta.

Deixo aqui, pois, formalizados esses dois pedidos e me coloco à disposição do Partido para apresentar todos os documentos que estão em meu poder e prestar todos os depoimentos que se fizerem necessários para se apurar, até as últimas conseqüências, as responsabilidades sobre fatos que hoje desabonam e desacreditam nosso Partido em todo o meu querido Vale do Paraíba.

Informo, também, que estarei enviando cópias dessa carta para as nossas principais lideranças e instâncias partidárias porque acredito que "a verdade é revolucionária" e que a democracia e a transparência fazem parte do ideário petista.

SAUDAÇÕES PETISTAS

PAULO DE TARSO VENCESLAU
RG 3.563.157 SSP/SP
Militante e ex-presidente do DZ Pinheiros
Ex-membro do Diretório Municipal de São Paulo
Membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate

...

São Paulo, 9 de abril de 1997


(Adendo à carta no dia 09/04/97)

Em comemoração aos dois anos de aniversário de absoluto silêncio e conivência com as falcatruas de nossos dirigentes, estou remetendo, de novo, a carta que registrei em Cartório em março de 1995.

Seria redundante qualquer comentário.

Um abraço, Paulo de Tarso Venceslau

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O e-mail de Fabio Fernandes, presidente da F/Nazca

"Pessoal,

"Achei que devia escrever a vocês para falar sobre o Maximídia e o debate/embate que eu travei com o Nizan.

"Acho que não é novidade para os mais próximos e os nem tão próximos que tenho diferenças profundas, quase religiosas, na visão sobre o que é e o que deve ser o negócio, o objetivo do trabalho, a missão, os processos, a forma e o conteúdo do prodtuto final de uma agência de propaganda, em relação ao dito personagem - pra mim, uma caricatura de ser humano, dublê de político populista e novo-rico deslumbrado, comediante de frases de efeito repetidas à exaustão, arremedo de empresário anti-ético e criativo anti-estético.

"Nunca escondi - nem dele - que o acho vil, pernicioso à nossa indústria, predador, oportunista, aproveitador, manipulador. Nunca deixei de observar e comentar que todo o tempo em que ele esteve criador foi um tempo que ele utilizou apenas para forjar um personagem que, com tino e capacidade de observação, o levaria a ter seu próprio negócio, onde ele reproduziria não aquilo que ele almejou como empregado mas, ao contrário, os piores modelos, os piores ambientes internos, piores lugares comuns,
entre todas as agências em que ele trabalhou. Desde que isso, convenientemente, implicasse em fazê-lo mais forte, mais rico, mais poderoso.

"Nizan é um caso típico de uma pessoa que quanto mais tem mais quer. E que, quanto mais quer, menos mede esforços e as consequências nefastas dos atos que ele pratica, para ter mais. Ele é o exemplo pronto e acabado da insustentabilidade. Se fosse presidente dos EUA não seria em nada diferente de Bush - só o discurso seria mais engraçado. Mas invadiria o Iraque, deportaria estrangeiros, perseguiria minorias, poluiria a atmosfera, cagaria para o mundo. O que interessa para ele é ele. E por ele, acha ele, que pode, ele, tudo.

"Mas a minha questão mais vital em relação a ele, é o fato de que - queira eu ou não - ele se transformou em uma celebridade da propaganda brasileira. Os incautos, os bobos da corte, os novatos, os leigos, os incultos, clientes inclusive, publicitários inclusive,
imprensa, principalmente, inclusive, o acham o máximo. E eu, que convivo muito bem com as minhas invejas, meus desencantos, meus
fracassos, não teria nada a objetar se ele o fosse de fato.

"Portanto não é este, em nenhuma hipótese, o meu problema com ele.
O meu imenso, colossal, infinito problema com ele é que, amparado por essa "populariadade", "unanimidade", "superioridade" ele diz o que quer, do jeito e na hora que quer, destruindo o que quer, com voz e pompas de "representante da categoria". Agências que produzem trash for cash (ou lixo por dinheiro, em bom português) existiram e existirão sempre. Na realidade,
em boa parte elas até nos ajudam a sermos melhor percebidos como inovadores, originais, cuidadosos, diferentes.

"O Brasil, entretanto, é o único país do mundo onde a publicidade tem no discurso do seu maior expoente que "o que é bom é feito para ser copiado", "propaganda criativa é bobagem", "eficiência é o contrário de originalidade", ou as pérolas que ouvimos no próprio Maximídia: "momento de crise não é momento de inovar". Ou seja: na falta de capacidade ou de vontade de fazer boa propaganda, propaganda de qualidade (o que, obviamente, na nossa opinião passa obrigatoriamente por inovação, criatividade, excelência na execução e excitação do pessoal interno de uma agência de propaganda), o que ele faz - oficialmente - é nos colocar na posição de meninos traquinas,
revoltadinhos de plantão, criativos irresponsáveis que querem brincar com o dinheiro dos clientes, enquanto ele finge que é Jack Welch, Warren Buffet ou Armínio Fraga.

"Nizan não sabe mais quem ele é. Ele é publicitário mas quer fingir que é analista econômico. Foi criativo mas gostaria mesmo era de ser dono da Ambev. Tem um business microscópico mas arrota ares de colega de turma de um Jorge Gerdau.

"Mas eu sei quem é Nizan. É um demagogo. Ele sabe bem que o discurso do tradicionalismo, do conservadorismo, da mediocridade, da pasteurização agrada em cheio a uma imensa gama de bundões de plantão que preferem demitir do que investir. Preferem temer do que empreender, preferem dividir os prejuízos, já que nos lucros ele posa com a esposa em sandálias de 3.200 reais, em seu apartamento em Paris. Preferem disseminar o caos, porque a alegria dos bons momentos ele rega com champagne em festas particulares com celebridades estéreis e etéreas de última hora.

"Na publicidade, que afinal é o meu negócio, embora sempre que eu fale nisso ele ache que o assunto está infantil demais (lembrem-se, ele é um business man) ele sabe também que há bundões prontos a gastar mais para contratar uma meia dúzia de artistas famosos, cantando um jingle com uma logomarca formada por funcionários da empresa, do que se "arriscarem" a criar um posicionamento de verdade, uma linguagem proprietária, um estilo único e próprio. Na visão desse chupa-sangue de plantão, ele está certo. Tanto que acerta duas vezes com uma mesma tacada: acalenta os desejos mais primitivos de um ou outro cliente cagão e ainda fatura muito mais em cima do trouxa que tem que enfiar todo o dinheiro do mundo para ser ouvido/visto/lembrado com uma bobajada cheia de clichês e formulinhas baratas, que definitivamente não sobreviveriam a um plano de mídia comprado com poucos recursos.

"De quebra, ele ainda usa todo o seu arsenal de repetidores e baba-ovos da imprensa e arredores para confirmar que um monte de estrume na verdade é um pote de ouro. E o bobo alegre que aprovou e pagou pela campanha acha que fez a coisa certa de novo. Reis nus. Que se sentem vestidos com o melhor da tecnologia e design da indústria têxtil. E eu, daqui do alto da minha inocência, só vejo que eles têm pênis pequenos.

"Não é à toa que ele está tão preocupado com a crise de liquidez que todos vamos enfrentar nos próximos tempos. Ele sabe que o dinheiro, quanto mais valioso e raro fica, melhor tem que ser aplicado. E, com menos dinheiro, é a inteligência o que a propaganda vai voltar a exigir. Quanto mais economizarmos, compensados por uma mensagem forte e memorável, mais eficientes seremos para os nossos clientes. Ninguém lembra de um amigo medíocre que fala pouco, alguns até se recordam de um amigo chato que fala muito, mas todos sentem saudades do amigo genial que falava coisas legais. Ou seja: o modelo de negócio dele desmoronou. A festa acabou para quem não passava de vendedor de um montão de espaço na mídia e começou para quem tem o Que e o Como dizer nesse espaço, que será inevitavelmente menor.

"E isso ele não sabe fazer.

"Isso foi o que suscitou o nosso duelo na última quinta-feira. Ao contrário do que ele ainda tentou fazer alguns crerem, eu não estava discutindo sobre o ofício da criação ou sobre "leões em Cannes". Ao contrário do que ele fingiu que estava acontecendo, a nossa discussão não era sobre a criatividadezinha e os sonhos dos seus pequenos criadores. Nós discutíamos sim era sobre uma questão que, apesar de tudo, ele mesmo ainda tem senso crítico suficiente para entender, mesmo que intimamente isso seja altamente doloroso, já que foi o que um dia ele mesmo já tanto defendera.

"Nós estávamos discutindo caráter. Porque, ao contrário dos que não oferecem o melhor para os seus clientes por falta de recursos, talento, ferramental, essa mediocrização a que ele está submetendo as agências controladas por ele é um esforço premeditado para esvaziar toda e qualquer possibilidade de que o discurso dos que fazem melhor, com mais interesse, mais cuidado, mais compromisso e mais responsabilidade se reestabeleça.

"O trabalho que as agências do Nizan Guanaes faz, a maneira como ele trata seus funcionários, as propostas comerciais indecorosas que elas oferecem aos seus clientes não seriam um problema tão grande se não fosse o fato, como eu já disse, de que o discurso que o embasa é avassaladoramente mais potente que o que nós e outros poucos como nós, conseguimos rebater daqui. Quando alguém vende a alma ao demônio isso deixa de ser um problema exclusivamente dele, quando esse alguém vai à Caras, à Exame e à Veja para convencer a todos de que vender a alma é o certo.

"E o que aconteceu de bom no final de tudo isso? Na minha opinião, várias coisas. A primeira é que muitos agora viram que o que ele diz não é uma verdade. É uma opinião viciada, interesseira e oportunista. E não é a opinião do resto do mercado. Segundo, é que outros que pensam como nós entenderam que ele pode e deve ser confrontado. Terceiro, é que se definiram claramente os discursos e as práticas no dia-a-dia. Agora, já pode-se começar a entender que mediocridade e mesmice são apenas uma opção e, tanto são uma opção, que têm um lugar (ou um grupo) certo onde podem ser solicitadas.

"Mas existem sim outras opções e nós estamos na ponta entre as agências de propaganda latu-sensu que oferecem essa opção. Quarto, é que sempre é bom ver os que se fazem de bonzinhos e corretos finalmente mostrando as suas garras e suas verdadeiras motivações. Naquele mesmo dia, à tarde, o Nizan me telefonou aqui na agência. Como eu não o atendi, deixou, literalmente, o seguinte recado com a Sueli: "Diga ao Fábio que ele é viado, frouxo, que ele me bate em público mas se ele for homem que telefone para mim!"

"Disse também, mais tarde, em um jantar com pessoas que me conhecem que "Eu só não bati em Fábio Fernandes porque ele estava maquiado - e eu não bato em homem maquiado". Para os que não entenderam o enigma (como eu, que fui perguntar a uma pessoa que o conhece) ele acha que eu... passo lápis nos olhos. Sim, acreditem. Alguém, inclusive, já o ouviu relatando que alguém lhe contou que uma certa vez, sob a chuva, o lápis dos meus olhos borrou e eu corri para colocar os óculos escuros... :-))))) Inacreditável, mas é a mais pura verdade. Foi a esse ponto que esse sujeito chegou.

"Por isso mesmo eu resolvi escrever a todos vocês sobre isso. Porque o que eu tenho a dizer sobre ele é bem pior do que seria se ele apenas usasse lápis para ressaltar os seus lindos olhos. O que eu tenho a dizer sobre ele é claro, verdadeiro, profundo e cabal. Fico feliz de não me maquiar, mas não teria problema nenhum em admiti-lo se, ainda que absurdo, isso fosse verdade. O duro para ele deve ser ouvir o que eu penso - e que a cada dia mais gente vem me dizer que foi bom eu dizê-lo porque é o que quase todo mundo pensa - e, mesmo sendo a mais aguda verdade, não poder admiti-lo.
Porque é revelador, comprometedor e devastador.

"O rei está nu. E eu sei que ele não é de nada."

Fabio Fernandes

F/Nazca Saatchi & Saatchi
Agency of The Year 1999, 2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Nota do PSDB em apoio a Alckmin

"A direção do PSDB, tanto no plano municipal, quanto no estadual e no federal, bem como o Governador José Serra, fizeram um esforço extraordinário para que o partido e o DEM se mantivessem aliados nas eleições para Prefeitura de São Paulo, o que não foi possível, tendo em vista que ambos resolveram, por decisão de suas bases e com inteira legitimidade, disputar as referidas eleições com candidatos próprios.

Não esperavam, entretanto, os órgãos diretivos do PSDB, que alguns de seus filiados, contrariando o que foi decidido em Convenção, viessem manifestar o seu apoio ao candidato do DEM.

Esse procedimento é recriminado pela direção do partido, que renova o seu integral apoio à candidatura de Geraldo Alckmin e insiste em que todos se concentrem na campanha do candidato tucano, trabalhando decididamente para que ela possa chegar ao 2o. turno das eleições."

Sérgio Guerra - Presidente Nacional
Antônio Carlos Mendes Thame - Presidente do Diretório Estadual - SP
José Henrique Reis Lobo - Presidente do Diretório Municipal - SP

Data: 1 de outubro de 2008

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Advogados eram elo com o Planalto

Raymundo Costa, Valor Econômico

Nos anos que se seguiram ao escândalo do "mensalão", o Palácio do Planalto fez uma verdadeira faxina entre os auxiliares mais ligados a Daniel Dantas, dentro do governo e do PT. Por isso, hoje, se declara tranqüilo em relação às investigações da Polícia Federal sobre as atividades do banqueiro, muito embora seja concreta a suspeita de que gente do próprio governo confirmou para Dantas a existência da operação da PF, que deveria ser sigilosa. Alguns dos "40 do mensalão" avaliam que o inquérito pode ajudá-los, se chegar à real origem das transações de Dantas, que julgam estar nas privatizações do governo do PSDB.

O elo mais visível entre Dantas e o Planalto é o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que não nega ter assessorado Dantas judicialmente e de haver levantado os procedimentos policiais e judiciais existentes contra o dono do Opportunity. LEG, como é chamado pelos amigos, conheceu Dantas há pouco mais de um ano e o assessorou na fusão de Brasil Telecom e Oi. Ex-advogado do presidente Lula, do PT e ex-deputado federal, Greenhalgh tem trânsito no governo, mas nunca foi um nome ligado ao banqueiro como foi, por exemplo, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Ou o ex-ministro José Dirceu, conforme apontado na CPI dos Correios. Outro elo entre Dirceu e o Opportunity é o advogado José Luiz de Oliveira Lima, que antes de assumir a defesa de Dirceu, no processo de cassação do ex-deputado, trabalhou para a BrT.

O advogado foi contratado por R$ 1 milhão para defender Dantas no "caso Kroll" (a investigação de nomes-chaves do governo a pedido do banqueiro) por intermédio do publicitário Humberto Braz. Outro publicitário ligado ao dono do Opportunity, Guilherme Sodré, o Guiga, ex-marido da mulher do governador Jaques Wagner (Bahia), foi quem intermediou o contato de Greenhalgh com Dantas.

O banqueiro sempre manteve relações cordiais com o poder, independente de quem ocupava o Planalto. No Congresso, desenvolveu excelente relações com senadores como Antonio Carlos Magalhães - que por mais de uma vez o indicou para a Fazenda -, Jorge Bornhausen e Heráclito Fortes. Quando a oposição tomou o poder, tratou de se acercar dos antigos adversários, especialmente do núcleo mais próximo de Lula. Primeiro por meio do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula. O deputado José Eduardo Cardozo e o ex-deputado Sigmaringa Seixas são outros petistas apontados como próximos.

Entre o fim de março e o início de abril de 2006, Dantas teria decidido sair dos negócios de telefonia. Por meio de Guiga, pediu um encontro com Greenhalgh. Apesar dos 80 mil votos nas eleições de 2006, Greenhalgh não se reelegera, esteve cotado para assumir algum cargo, mas acabou voltando para a antiga profissão de advogado. A princípio - na conversa que teve com Dantas uma semana depois do encontro com Guiga - LEG relutou, mas acabou cedendo aos argumentos do banqueiro.

Sempre em movimento, dando voltas em torno da mesa, Dantas queixou-se de que só arrumara inimigos nos negócios das telecomunicações e queria deixar o ramo. Alegava que vivia na mira da Polícia Federal. Estava certo: a PF não esquecia dele desde que foi apontado como suposto autor de um dossiê sobre contas secretas de Lula e do diretor-geral da PF, à época, Paulo Lacerda, hoje na Abin.

O banqueiro foi aconselhado pelo advogado a dizer claramente que queria deixar os negócios na área das teles, o que ninguém acreditava, e acabar com a guerra judicial que mantinha com os sócios. Isso daria credibilidade para ele tentar um acordo com os sócios.

O primeiro passo foi o levantamento das ações existentes contra Dantas e dele contra seus sócios. Após duras negociações - os outros sócios chegaram a se unir na guerra contra Dantas -, chegou-se ao acordo: as partes se comprometiam a não mais ajuizar ações um contra o outro no futuro, e a retirar simultaneamente todas as demais em curso na Justiça.

Foi quando a repórter Andrea Michael, da "Folha de S. Paulo", publicou que o acordo não interrompera uma investigação sigilosa da PF que deveria levar à prisão de Dantas. A equipe de advogado entrou em campo, inclusive Greenhalgh, que, além de sondar seus contatos no governo e no Congresso, fez uma varredura na Justiça para conferir se havia algum procedimento em curso em relação a Dantas. Todos os juízes responderam "não" à petição enviada à desembargadora Cecília Melo, menos um, Fausto de Sanctis, que quis saber se o questionamento se referia só ao disco rígido de um computador ou a qualquer coisa.

A primeira análise dos advogados era de que se tratava de uma reportagem com o objetivo de fazer um acordo entre as partes. LEG leu o contrário: achava que era uma vingança. Isso acendeu a luz amarela entre os defensores de Dantas, que pediram o habeas corpus preventivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que foi negado.

Logo depois, Humberto Braz, também investigado pela PF, percebeu que estava sendo seguido quando levava o filho à escola. A polícia interceptou o carro e os ocupantes disseram que eram da Abin. Greenhalgh voltou ao circuito. Ligou para o chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho. Mas só na manhã de terça-feira - com os agentes já nas ruas - ficou sabendo que era a PF que estava interessada não só nas atividades do seu cliente, como nas dele próprio.

LEG se recusa a dar entrevistas. Mas a amigos disse que estava tranqüilo: sua relação com Dantas é recente, profissional. Ele crê que, com mais de 30 anos de profissão, além de ser deputado, evidentemente tem amigos aos quais recorreu para entender a situação de seu cliente. Mas estava irritado com a insinuação de que participou do esquema que tentou corromper um delegado da PF.

Valor Econômico, 11 de julho de 2008

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Brejal dos Guajas

Millôr Fernandes

Observação final (a não ser que solicitem muito) com demonstração de matemática elementar meu caro Watson (a partir de dados fornecidos inconscientemente pelo próprio autor), provando que o Brejal, com apenas duas ruas, era uma das maiores cidades do Maranhão, cuíca do mundo.
RATIONALE
1) Na pág. 60 está:
“− Quantos eleitores tem o Brejal?
− 2.053 − ambos responderam”.
II) Pode-se precisar razoavelmente a época da istória pela frase à pág. 10: os dois coronéis eram “da mesma corrente política invicta em todos os pleitos realizados desde a queda da ditadura”. Ribamar está falando da outra ditadura, 1930/45, anterior à dele, 1964/85. Ora, “todos os pleitos” são mais três, no mínimo. Dois, definitivamente, não são todos. Portanto, a istória(!) acontece por volta de 1960, mais ou menos 15 anos depois da queda da ditadura getulista. Isso é estatisticamente importante: nessa época, numa região pobre, a população abaixo de 18 anos elevava-se a mais de 60% (hoje é 40% em todo os país). Mas vamos deixar por 50%. Portanto, os 2.053 eleitores são parcela, não de 100% da população, mas de 50% dela, já que metade não estaria na faixa do voto.
III) Nas quatro linhas finais da istória, numa babaquice que pretende, acho, ser poética-social-irônica, o autor grandíloqua: “...E o povo do Brejal feliz: oitenta por cento de tracoma, sessenta de boba, cem por cento de verminose, oitenta e sete de analfabetos, mas feliz, ouvindo a valsa do Brejal, Brejal dos Guajajaras”.
IV) Ora, quem tem 87% de analfabetos tem apenas 13% de alfabetizados. Como os 50% da população abaixo dos de 18 anos não votam (embora, por serem mais novos, devam ter até maior índice de alfabetização) isso significa que dos 13% de alfabetizados apenas 6,5% votam. Quer dizer, os 2.053 eleitores correspondem a 6,5% da população total. Façam agora uma simples regra de três: “6,5% estão para 2.053 assim como 100% estão para X”, e verificarão que Brejal dos Guajas tinha uma população de 31.584 pessoas. Mesmo distribuindo generosamente 60% dessa população pra área rural (município − do qual, aliás, não se fala), ainda assim teríamos 12.683 pessoas nas duas ruas.
105 pessoas por casa!
Eta, apertamento!
Extraído de "Diário da Nova República, Vol. 3"

terça-feira, 24 de junho de 2008

Pode ser que ele esteja maluco

João Ubaldo Ribeiro, O Globo

Sei que, para os lulistas religiosos, a ressalva preliminar que vou fazer não adiantará nada. Pode ser até tida na conta de insulto ou deboche, entre as inúmeras blasfêmias que eles acham que eu cometo, sempre que exponho alguma restrição ao presidente da República. Mas tenho que fazê-la, por ser necessária, além de categoricamente sincera. Ao sugerir, como logo adiante, que ele não está regulando bem do juízo, ajo com todo o respeito. Dizer que alguém está maluco, principalmente alguém tido como sagrado, pode ser visto até como insulto, difamação ou blasfêmia mesmo. Mas não é este o caso aqui. Pelo menos não é minha intenção. É que às vezes me acomete com tal força a percepção de que ele está, como se diz na minha terra, perturbado da idéia que não posso deixar de veiculá-la. É apenas, digamos assim, uma espécie de diagnóstico leigo, a que todo mundo, especialmente pessoas de vida pública, está sujeito.

Além disso, creio que não sou o único a pensar assim. É freqüente que ouça a mesma opinião, veiculada nas áreas mais diversas, por pessoas também diversas. O que mais ocorre é ter-se uma certa dúvida sobre a vinculação dele com a realidade. Muitas vezes - quase sempre até -, parece que, quando ele fala “neste país”, está se referindo a outro, que só existe na cabeça dele. Há alguns dias mesmo, se não me engano e, se me engano, peço desculpas, ele insinuou ou disse claramente que o Brasil está, é ou está se tornando um paraíso. Fez também a nunca assaz lembrada observação de que nosso sistema de saúde já atingiu, ou atingirá em breve, a perfeição, até porque está ao alcance de qualquer cidadão, pela primeira vez na História deste país, ter absolutamente o mesmo tratamento médico que o presidente da República.

Tal é a natureza espantosa das declarações dele que sua fama de mentiroso e cínico, corrente entre muitos concidadãos, se revela infundada e maldosa. Ele não seria nem mentiroso nem cínico, pois não é rigorosamente mentiroso quem julga estar dizendo a mais cristalina verdade, nem é cínico quem tem o que outros julgam cara-de-pau, mas só faz agir de acordo com sua boa consciência. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida e aceitar piamente que ele acredita estar dizendo a absoluta verdade.

Talvez haja sinais, como dizem ser comum entre malucos, de uma certa insegurança quanto a tal convicção, porque ele parece procurar evitar ocasiões em que ela seria desmentida. Quando houve o tristemente célebre acidente aéreo em Congonhas, a sensação que se teve foi a de que não tínhamos presidente, pois os presidentes e chefes de governo em todo o mundo, diante de catástrofes como aquela, costumam cumprir o seu dever moral e, mesmo correndo o risco de manifestações hostis, procuram pessoalmente as vítimas ou as pessoas ligadas a elas, para mostrar a solidariedade do país. Reis e rainhas fazem isso, presidentes fazem isso, primeiras-damas fazem isso, premiers fazem isso. Ele não. Talvez tenha preferido beliscar-se para ver ser não estava tendo um pesadelo. Mandou um assessor dizer umas palavrinhas de consolo e somente três dias depois se pronunciou a distância sobre o problema. O Nordeste foi flagelado por inundações trágicas, o Sul assolado por seca sem precedentes, o Rio acometido por uma epidemia de dengue, ele também não deu as caras. E recentemente, segundo li nos jornais, confidenciou a alguém que não compareceria a um evento público do qual agora esqueci, por temer receber as mesmas vaias que marcaram sua presença no Maracanã.

Portanto, como disse Polônio, personagem de Shakespeare, a respeito do príncipe Hamlet, há método em sua loucura. Não é daquelas populares, em que o padecente queima dinheiro (somente o nosso, mas aí não vale) e comete outros atos que só um verdadeiro maluco cometeria. Ele construiu (enfatizo que é apenas uma hipótese, não uma afirmação, porque não sou psiquiatra e longe de mim recomendar a ele que procure um) um universo que não pode ser afetado por cutucadas impertinentes da realidade. Notícia ruim não é com ele, que já tornou célebre sua inabalável agnosia (“não sei de nada, não ouvi nada, não tive participação nenhuma”) quanto a fatos negativos. Tudo de bom tem a ver com ele, nada de ruim partilha da mesma condição.

Agora ele anuncia que, antes de deixar o mandato, vai registrar em cartório todas as suas realizações, para que se comprove no futuro que ele foi o maior presidente que já tivemos ou podemos esperar ter. Claro que se elegeu, não revolucionariamente, mas dentro dos limites da ordem (?) jurídica vigente, com base numa série estonteante de promessas mentirosas e bravatas de todos os tipos. Não cumpriu as promessas, virou a casaca, alisou o cabelo, beijou a mão de quem antes julgava merecedor de cadeia e hoje é o presidente favorito dos americanos, chegando mesmo, como já contou, a acordar meio aborrecido e dar um esbregue em Bush. Cadê as famosas reformas, de que ouvimos falar desde que nascemos? Cadê o partido que ia mudar nossos hábitos e práticas políticas para sempre? O que se vê é o que vemos e testemunhamos, não o que ele vê. Mas ele acredita o contrário.

Acredita, inclusive, nas pesquisas que antigamente desdenhava, pois os resultados o desagradavam. Agora não, agora bota fé - e certamente tem razão - depois que comprou, de novo com o nosso dinheiro, uma massa extraordinária de votos. Não creio que ele se julgue Deus ainda, mas já deve ter como inevitável a canonização e possivelmente não se surpreenderá, se lhe contarem que, no interior do Nordeste, há imagens de São Lula Presidente e que, para seguir velha tradição, uma delas já foi vista chorando. Milagre, milagre, principalmente porque ninguém vai ver o crocodilo por trás da imagem.

O Globo, 22 de junho de 2008

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Documentos mostram como Lula se aproximou dos EUA

Cláudio Dantas Sequeira, Folha de S. Paulo

Telegramas descrevem diálogo com embaixadora e papel do ex-ministro José Dirceu
Registros diplomáticos mostram que preocupação foi enviar mensagem de confiança a investidores e negar possíveis "surpresas"


Documentos liberados pelo governo norte-americano mostram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva priorizou a relação com os Estados Unidos, desde que foi eleito em outubro de 2002. Os bastidores dessa aproximação com a administração de George W. Bush estão em telegramas diplomáticos divulgados ontem pelo jornal "Valor Econômico".

A primeira preocupação de Lula foi enviar uma mensagem de segurança aos investidores estrangeiros. Depois ele assumiria papel de moderador na América do Sul, buscando amortecer o impacto da retórica antiamericana do presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

Apenas três dias depois de ser eleito, Lula se reuniu com a então embaixadora dos EUA no Brasil, Donna Hrinak. A conversa foi relatada por ela ao Departamento de Estado norte-americano."Lula salientou repetidamente que queria trabalhar com os Estados Unidos, em geral e na Alca", escreveu Hrinak. Ao presidente, ela salientou que seria importante evitar "surpresas desagradáveis", especificamente uma mudança da política econômica herdada de FHC. "Lula imediatamente respondeu que não haveria "nenhuma surpresa". Que não seria "ideológico'", observou a embaixadora.

A chegada de Lula ao poder foi acompanhada então de grande expectativa, num momento em que a região vivia momento de instabilidade. A Argentina enfrentava profunda crise econômica, com suspensão de pagamentos dos credores internacionais. Na Venezuela, Chávez foi vítima de duas tentativas de golpe de Estado -os EUA chegaram a reconhecer um governo provisório- no mesmo ano.

"Enviar uma mensagem de confiança era uma necessidade naquele primeiro ano tão difícil", disse à Folha o ex-embaixador Roberto Abdenur, que serviu em Washington. "Não se tratou de submissão. Lula sempre foi muito lúcido sobre que tipo de relação ter com os EUA", explicou.

Uma fonte do gabinete do chanceler Celso Amorim explicou que a situação era agravada por causa do perfil ultraconservador dos principais assessores do Departamento de Estado americano, à época encabeçado por Colin Powell e hoje por Condoleezza Rice.

Para Abdenur, a desconfiança das autoridades americanas e dos investidores só se dissipou completamente a partir do seminário a empresários no luxuoso hotel Waldorf-Astoria, em junho de 2004.

"O secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, se dirigiu a Lula para cumprimentá-lo pelo discurso. No dia seguinte, ele divulgou nota elogiando a política econômica do governo Lula", lembrou Abdenur.Em memorando desclassificado pelo governo americano, Snow relatou detalhes da conversa que teve com o presidente brasileiro. "Lula disse que o Brasil está seguindo a política externa mais agressiva de sua história. Ele quer usar seu bom relacionamento com figuras regionais como uma força pela estabilidade e pela democracia na região", escreveu.

O papel do ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) é registrado com destaque nos documentos do governo americano. Dirceu estabeleceu um canal de interlocução privilegiado com Rice, em uma estratégia de Lula para agilizar os contatos.Para a Casa Branca, haveria certa resistência na cúpula do Itamaraty sobre uma relação amistosa com os EUA.

O trabalho de Dirceu se concentrou basicamente em criar laços com investidores estrangeiros e amenizar a tensão nas relações dos EUA com a Venezuela. Em março de 2005, Dirceu se reuniu em privado com a secretária de Estado americana, por cerca de 15 minutos.

Um telegrama registra: "Dirceu afirmou que Lula já tinha aconselhado Chávez sobre a necessidade de ser mais cuidadoso em sua retórica. Ele acrescentou que o Brasil não acredita que Chávez esteja apoiando as Farc".

Folha de S. Paulo, 7 de maio de 2008

Embaixada assegurou aval dos EUA a Lula

Ricardo Balthazar, Valor Econômico

A embaixada dos Estados Unidos em Brasília trabalhou ativamente em 2002 para ajudar Luiz Inácio Lula da Silva a ganhar o apoio do governo americano antes da sua posse, num momento em que esse reconhecimento era considerado crucial para dissipar as desconfianças que o novo presidente despertava nos investidores.

A embaixadora Donna Hrinak expôs seu plano com clareza nas semanas que se seguiram à eleição. Na sua avaliação, Lula sabia que só teria a confiança dos investidores se mantivesse a política econômica de estilo conservador adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas precisava de ajuda para vencer as resistências que ia enfrentar no seu partido.

Em mensagem enviada a Washington em 27 de novembro, um mês após a eleição, a embaixadora disse que o melhor que os EUA poderiam fazer naquela altura era manifestar apoio a Lula e ter paciência, evitando "prescrições insistentes de fora", que só contribuiriam para minar o esforço que o presidente eleito estava disposto a fazer para "manter na linha os doutrinários do próprio PT".

O relatório de Donna faz parte de um conjunto de documentos liberados pelos EUA nos últimos meses a pedido do Valor. O jornal teve acesso aos papéis após apresentar ao Departamento de Estado e outros órgãos do governo americano vários requerimentos amparados na Lei de Liberdade de Informação (Foia, na sigla em inglês).

Os documentos indicam que o empenho de Donna era um reflexo do que ela estava ouvindo em suas conversas. Nos dias que antecederam a eleição de 2002, os diplomatas que lidavam com assuntos econômicos na embaixada foram tomar o pulso dos seus contatos no setor privado. Para sua surpresa, ninguém achava que o Brasil estivesse à beira de um precipício.

Todos apostavam que Lula agiria rapidamente para tranqüilizar o mercado financeiro, mantendo o PT afastado do comando da economia e indicando para presidir o Banco Central alguém que seria recebido com alívio na praça. "O Brasil não tem nenhuma outra escolha", disse um dos contatos da embaixada, conforme relato enviado em outubro a Washington.

Lula sabia da importância que a simpatia americana teria para sua credibilidade e trabalhou desde cedo para conquistá-la. Ele conversou quatro vezes durante a campanha eleitoral com Donna, que assumiu seu posto em Brasília em abril de 2002. Alguns dos seus principais assessores também tiveram contatos freqüentes com ela.

Numa dessas conversas, Lula indicou a Donna que o BC teria mais autonomia em seu governo do que ele admitia em público. "Não era algo que ele achava possível fazer de imediato, mas ele me disse que achava que o BC devia ser independente", disse Donna, em entrevista ao Valor. "Era uma mensagem muito importante naquele momento para Washington."

Os americanos tornaram explícito o apoio a Lula três semanas antes da sua posse, em 10 de dezembro de 2002, quando ele foi recebido pelo presidente George W. Bush na Casa Branca, um privilégio que normalmente é concedido apenas a chefes de Estado no exercício da função. Na saída, o presidente eleito anunciou que Antonio Palocci seria seu ministro da Fazenda.

Bush manifestou entusiasmo quando Lula explicou como pretendia administrar a economia. Em tom de brincadeira, o presidente dos EUA disse que o plano era tão sensato que parecia uma "boa política republicana", como anotou em suas memórias o então subsecretário do Tesouro americano para assuntos internacionais John Taylor, que participou do encontro com Lula.

A boa vontade da Casa Branca contrastava com a apreensão que Lula ainda despertava em Wall Street. No mesmo dia em que ele falou com Bush, a chegada dos petistas ao poder foi apontada como uma fonte de instabilidade para a economia mundial numa reunião do Federal Reserve, o banco central americano, segundo transcrições divulgadas recentemente.

Havia razões de natureza política para o aval de Bush a Lula. A ascensão de líderes esquerdistas como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, era considerada uma ameaça para os interesses de Washington na América Latina, e estabelecer uma relação amistosa com os petistas desde o começo podia ser também uma maneira de conservar a influência dos EUA na região.

Outra fonte de preocupações para os americanos nessa época era a Argentina, que fora chacoalhada por uma crise política e econômica avassaladora depois do fim do regime de câmbio fixo. Tudo que eles não queriam era ver no Brasil uma repetição dos problemas que o vizinho tivera. "As coisas logo se arrumaram com Lula após a eleição, e dali para frente só tivemos alegrias", disse Taylor ao Valor.

Os EUA levaram meses para aprovar um pacote de socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Argentina em 2002. Nos anos seguintes, os argentinos afastaram-se dos americanos e optaram por políticas diferentes do figurino ortodoxo adotado por Lula. Eleito em 2003, o presidente Néstor Kirchner alinhou-se a Chávez e virou um dos seus principais aliados.

Os documentos obtidos pelo Valor sugerem que os petistas procuraram se diferenciar dos vizinhos para manter a credibilidade recém-conquistada. Em outubro de 2005, o ministro Palocci disse ao então subsecretário de Estado dos EUA Robert Zoellick que estava preocupado com o "populismo" na América Latina e citou apenas Brasil, Chile e Uruguai como países que seguiam políticas econômicas responsáveis na vizinhança.

Mas as freqüentes divergências entre os petistas continuaram causando desconforto nos EUA por muito tempo, mesmo quando a economia brasileira parecia ter voltado aos trilhos. Em maio de 2004, pouco antes de deixar seu posto em Brasília e trocar a diplomacia pela iniciativa privada, Donna escreveu num telegrama para Washington que Palocci era uma "exceção" entre os assessores de Lula.

Na sua avaliação, a maioria dos aliados do presidente continuava pressionando-o a assumir um papel mais ativo na economia, criando incômodo para muitas empresas. "Essa inclinação fez proliferar novas barreiras para investidores", disse Donna, citando como exemplos as mudanças promovidas pelo PT nas agências reguladoras e nas concessões do setor elétrico.

O embaixador John Danilovich, que substituiu Donna, teve outras aflições. O escândalo do mensalão deixou Lula acuado e paralisou o governo em 2005. Acusado de sonegação fiscal na mesma época, o presidente do BC, Henrique Meirelles, parecia com os dias contados. Em julho, Danilovich mandou sua equipe tirar a temperatura dos mercados financeiros.

Um dos interlocutores da embaixada afirmou que nada iria mudar, mesmo se Lula fosse afastado da Presidência, Palocci caísse ou Meirelles fosse para casa. Segundo o contato dos americanos, o governo Lula havia demonstrado a existência de "um consenso nacional sobre o que deve ser a política econômica", e qualquer um que viesse depois seria obrigado a fazer tudo igual. Como em 2002, ninguém parecia ter medo de mais nada.

Lula só usa com os amigos a
palavra "cooperar", diz Amorim

Valor Econômico
De Brasília
Provocou constrangimento no Itamaraty a revelação, pelo Valor, de que o governo Lula discutiu com integrantes do governo George W. Bush a "contenção" dos arroubos de presidentes hostis aos EUA, na Bolívia e na Venezuela. "Não comento documentos oficiais americanos", disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao ser perguntado sobre as declarações do ex-ministro José Dirceu, de que estaria "sob controle" do Brasil a situação política na Bolívia às vésperas da eleição de Evo Morales, e que teria pedido moderação a Hugo Chávez.

"Ele teria dito, ou o documento disse que ele disse?", duvidou Amorim. "Inúmeras vezes participei de conversas com o presidente Lula com os presidentes Chávez e Morales e nunca ouvi ele usar as palavras conter, represar, obstar, dificultar", disse. "A palavra que ele usa é cooperar." Amorim garantiu que o Brasil se limitou a oferecer ajuda aos governos amigos para solução dos problemas internos ou com países vizinhos.

Valor Econômico, 7 de maio de 2008

Lula ofereceu ajuda aos EUA para deter Chávez

Ricardo Balthazar, Valor Econômico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou para os Estados Unidos no início de 2005 que estava disposto a usar sua influência na América Latina para exercer um papel de moderador na região, oferecendo ajuda para conter as ambições do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e as tensões sociais que começavam a se manifestar na Bolívia.

A mensagem de Lula foi transmitida pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu, ao final de um longo encontro que ele teve com a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, no dia 3 de março daquele ano, em Washington. Um resumo da conversa foi feito dias depois num informe enviado à embaixada americana no Brasil, do qual o Valor obteve uma cópia.

Condoleezza introduziu o assunto dizendo a Dirceu que o Brasil precisava mandar uma "mensagem clara" para Chávez. Dirceu respondeu afirmando que Lula já aconselhara o líder venezuelano a moderar sua retórica, avisando Chávez que ele estava "brincando com uma arma carregada", segundo o informe.

Dirceu acrescentou que o Brasil não acreditava que Chávez desse qualquer tipo de ajuda aos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), ao contrário do que os americanos sempre desconfiaram. Quanto à Bolívia, onde o líder cocaleiro Evo Morales se preparava para lançar sua candidatura presidencial, Dirceu garantiu à secretária que o Brasil tinha a situação "sob controle".
O informe sobre a conversa de Condoleezza com Dirceu faz parte de um conjunto de documentos internos do governo americano aos quais o Valor teve acesso nos últimos meses, depois de apresentar vários requerimentos amparados numa lei que permite a liberação de papéis desse tipo, a Lei de Liberdade de Informação (Foia, na sigla em inglês).

Os documentos abrem uma fresta que ajuda a entender a evolução das relações do Brasil com os Estados Unidos e seus vizinhos nos primeiros anos após a chegada de Lula ao poder. Eles mostram que o presidente cortejou o apoio dos americanos desde o começo, apresentando-se como um parceiro confiável, que podia ajudá-los a manter a estabilidade na América Latina.

De acordo com os papéis examinados pelo Valor, o próprio Lula deixou isso claro em pelo menos uma oportunidade, numa conversa que teve em junho de 2004 com o então secretário do Tesouro dos EUA John Snow, em Nova York, onde o presidente se encontrava para uma série de contatos com investidores.

Segundo um memorando do Departamento do Tesouro, Lula disse a Snow que o Brasil estava executando a "política externa mais agressiva de sua história" e que planejava usar o bom relacionamento que tinha com outros líderes da América Latina como "uma força pela estabilidade e pela democracia na região".

Lula disse ao secretário do Tesouro que as "democracias relativamente novas e frágeis" da região enfrentavam grandes desafios e precisavam de ajuda. Lula aproveitou a oportunidade e pediu uma mão para o Equador. Ele disse a Snow que o governo do país vizinho sentia-se "acossado" pela oposição e precisava de "tratamento especial" do Fundo Monetário Internacional (FMI) para recuperar sua economia.

Os documentos também mostram que Lula começou a imprimir um tom amistoso ao relacionamento com os americanos logo que desceu do palanque. Em 30 de outubro de 2002, três dias depois da sua consagração no segundo turno das eleições, ele chamou a então embaixadora dos EUA no Brasil Donna Hrinak para uma conversa no comitê central da sua campanha.

Segundo o relato enviado para Washington no dia seguinte, Lula parecia preocupado com as pressões que começava a sofrer do partido e de outros setores, mas garantiu a Donna que não haveria "nenhuma surpresa" em seu governo e que ele não teria perfil "ideológico". "Não vou ser um desses líderes que pensa que tem todas as respostas e precisa tomar todas as decisões", disse o presidente eleito à embaixadora.

Lula fez questão de estabelecer diferenças entre ele e outros líderes latino-americanos. Ao discutir a situação política em Cuba e sua amizade com Fidel Castro, pediu a Donna que não interpretasse seu apreço pessoal pelo dirigente comunista como um sinal de aprovação ao regime cubano e admitiu "que não havia liberdade em Cuba hoje".

Conquistar a boa vontade dos americanos era crucial para o novo presidente naquela altura. "Sabíamos que íamos enfrentar uma situação muito difícil no primeiro ano de governo e manter uma relação normal com os Estados Unidos era muito importante", disse Dirceu ao Valor, numa entrevista recente. "Abrir uma frente externa que se transformasse num problema era a última coisa que precisávamos."

As eleições brasileiras de 2002 foram acompanhadas com ansiedade em Washington, num momento em que a América Latina parecia ter voltado a ser um foco de instabilidade. A Argentina mergulhara numa profunda crise política e econômica com o fim do regime de câmbio fixo no país. Na Venezuela, Chávez estava em guerra com a oposição, que em abril tentara tirá-lo à força do poder e fracassara.

Nos dois casos as ações do governo americano contribuíram para esfriar seu relacionamento com a região. Os EUA foram o primeiro país a reconhecer como legítimo o governo provisório instalado na Venezuela após o golpe de abril, que durou menos de 48 horas. E os americanos levaram vários meses para aprovar um pacote de socorro financeiro do FMI para a Argentina.

A ascensão de líderes esquerdistas como Lula e Chávez assustava a direita americana. Dias antes do segundo turno no Brasil, um grupo de 27 congressistas do Partido Republicano mandou uma carta ao presidente George W. Bush para dizer que um novo "eixo do mal", constituído por Lula, Chávez e Fidel, representaria uma ameaça séria para a segurança dos EUA.

Ocupado com a guerra no Afeganistão e os preparativos para a invasão do Iraque, Bush não tinha tempo para prestar atenção na vizinhança. Mas o seu homem na região, o secretário-assistente de Estado para a América Latina, Otto Reich, um cubano-americano que no passado ajudara a combater os sandinistas na Nicarágua, estava bem preocupado com o que via.

Ele viajou para o Brasil em julho para tomar pé da situação. "Algumas pessoas vieram nos dizer que não podíamos deixar Lula virar presidente", disse Reich ao Valor. "Havia também alguns brasileiros nos dizendo que ele seria perigoso", acrescentou. "Mas não havia o que fazer e tomamos a decisão consciente de que não iríamos nos envolver."

As desconfianças que os americanos tinham de Lula foram eliminadas aos poucos. Dirceu foi a Washington e Nova York para manter contatos com investidores e autoridades em julho. Donna, que conhecera Dirceu e outros dirigentes petistas na década de 80 e tinha profunda admiração pessoal por Lula, ajudou a desanuviar o ambiente mostrando a Washington que não havia por que temer Lula.

Reich só começou a se convencer disso quando as urnas já estavam fechadas. Em novembro de 2002, ele encontrou-se com Lula em Brasília e passou quase três horas reunido com três de seus principais colaboradores, Dirceu, o futuro ministro Antonio Palocci, que na época coordenava a equipe de transição do novo governo, e o senador Aloizio Mercadante. "Foi ali que percebi que dava para trabalhar com eles", disse Reich ao Valor.

A conversa preparou terreno para um encontro que Lula teve com Bush na Casa Branca três semanas antes de tomar posse. De acordo com uma mensagem que Washington mandou mais tarde para suas embaixadas, Reich resumiu suas impressões pouco dias depois num encontro reservado com empresários no Chile. Ele continuava preocupado com a situação na Venezuela e achava que faltava "vontade política" para a Argentina sair da crise, mas estava "otimista" com Lula.

A aliança que Lula e os EUA começaram a construir naquele momento era conveniente para os dois lados. Lula queria o apoio americano para convencer os investidores de que estava falando sério quando prometia honrar as dívidas do país e conduzir a economia de maneira responsável. Para Bush, era importante ter um aliado no Brasil num momento em que o antiamericanismo crescia na região.

Diplomacia americana recorreu a Dirceu
para driblar resistências do Itamaraty

De Washington
Valor Econômico

O ex-ministro José Dirceu virou um interlocutor privilegiado do governo americano no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando os Estados Unidos buscaram um canal paralelo de diálogo com o círculo íntimo do presidente para driblar resistências que encontraram na diplomacia brasileira a uma aproximação maior dos dois países.

"O Itamaraty via a relação com Washington como um jogo de soma zero, em que um lado só ganha se o outro perder", disse ao Valor o ex-secretário-assistente de Estado dos EUA para a América Latina Roger Noriega, que ocupou o posto de 2003 a 2005. "Era importante ter um canal que passasse por cima disso e achávamos que Dirceu podia ser um interlocutor prático."

O ex-ministro desempenhou o papel com grande desenvoltura. Em 2005, semanas depois de se reunir em Washington com a secretária Condoleezza Rice, ele viajou às pressas para Caracas para falar com o presidente venezuelano, Hugo Chávez. Dirceu voltou correndo para contar o que ouvira a Condoleezza, que encontrou novamente durante uma visita de dois dias que ela fez a Brasília na mesma época.

"O sentido da [nossa] mensagem era que o Brasil, que os Estados Unidos não deviam interferir nem na Venezuela, nem na Bolívia", disse Dirceu ao Valor, oferecendo uma versão diferente da que foi registrada no informe sobre sua conversa com Condoleezza. "A situação da Bolívia, não é que estava sob nosso controle. Estava sob controle. Não havia nada na Bolívia que pudesse ameaçar qualquer interesse."

O ex-ministro diz que não foi a Caracas levar recados dos EUA nem transmitiu mensagens de Chávez para Condoleezza na volta. Mas uma pessoa que foi informada sobre as conversas de Dirceu na época disse ao Valor que ele indicou a Condoleezza em Brasília que o presidente venezuelano manifestara interesse numa reaproximação com os americanos, exatamente o contrário do que aconteceu depois.

As relações da Venezuela com os EUA se deterioraram ainda mais nos meses seguintes. Em novembro de 2005, sete meses depois das conversas de Dirceu com Condoleezza, Chávez foi a um estádio lotado de manifestantes discursar contra o presidente George W. Bush, ao final de um encontro de líderes regionais em Mar del Plata, na Argentina. No dia seguinte, Lula recebeu Bush em Brasília com manifestações efusivas de simpatia.

A movimentação de Dirceu causou incômodo no Itamaraty na época. No seu encontro com Condoleezza em Washington, quando ela quis saber sua opinião sobre a situação na Venezuela, Dirceu sugeriu que o assunto fosse discutido no fim da reunião, quando os dois ficaram a sós por alguns minutos sem que os diplomatas que o acompanhavam pudessem ouvi-los.

Mas não parecia haver diferenças significativas entre Dirceu e o Itamaraty. Semanas depois, quando Condoleezza foi ao Brasil, ela ouviu do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, uma mensagem semelhante à de Dirceu. Perguntado sobre a Bolívia, Amorim disse que o Brasil levaria Evo Morales ao caminho da moderação, de acordo com uma pessoa que na época recebeu um relato da conversa.

O canal paralelo que os EUA estabeleceram com Dirceu perdeu importância com o tempo. Dirceu saiu do governo em junho de 2005, por causa do seu envolvimento no escândalo do mensalão. Noriega deixou o Departamento de Estado quatro meses depois e Condoleezza substituiu a linha-dura republicana por diplomatas de carreira, que estabeleceram relações mais amistosas com o Itamaraty. Bush e Lula passaram a se entender tão bem nos anos seguintes que intermediários como Dirceu tornaram-se desnecessários. (RB)

Valor Econômico, 6 de maio de 2008

terça-feira, 29 de abril de 2008

Invasão bilionária

EDITORIAL
Folha de S. Paulo

AS "OCUPAÇÕES", eufemismo para invasões, estimuladas pela administração Lula não se restringem ao setor agrário. Com financiamento estatal bilionário e apoio dos fundos de pensão controlados pelo governismo, duas companhias telefônicas acabam de "ocupar" um terreno irregular. A aquisição da Brasil Telecom pela Oi dá-se a contrapelo das normas anticoncentração responsáveis pelo sucesso da privatização da telefonia no país.

Como os contumazes invasores de terra, os artífices das negociações da "supertele verde-amarela" não temem repressão do Estado. Pelo contrário, estão certos de que serão, ao fim e ao cabo, premiados com a assinatura do presidente da República no decreto que, após o fato consumado, sacramentará o popular "liberou geral" nas regras para atuação desses gigantes empresariais em território nacional.

Invadidos em seus direitos podem se sentir os consumidores, diante do acúmulo de 78% no mercado de internet por linha discada e de 59% no por banda larga na chamada Região 1 (Minas, Rio e outros 16 Estados). Estarão expostos aos efeitos colaterais de uma decisão de gabinete, submetida à ação exclusiva de lobbies políticos e empresariais, que têm propensão genética a misturar-se na falta de luz.

O que o BNDES afirma tratar-se de uma consolidação de capital estratégica para o "interesse nacional" beneficia basicamente duas empresas privadas. O segundo grupo de felizardos, mais difuso, vai se locupletar com as gordas comissões, explícitas ou implícitas, que o negócio vai movimentar. Nenhum tijolo será assentado com os R$ 2,6 bilhões de dinheiro público oferecido pelo banco estatal para viabilizar a aquisição.

Não haverá garantia de criação de um único posto de trabalho. O negócio "estratégico" é tão pouco promissor nesse aspecto que um acordo teve de ser feito para que não haja demissões nos próximos três anos. O BNDES afirma que não vai colocar dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador, constituído por impostos, no negócio, mas que vai usar recursos da sua carteira de ações.

Não existiriam meios de movimentar R$ 2,6 bilhões dessa carteira que gerassem mais empregos e investimentos produtivos, num país com carências gravíssimas na infra-estrutura e que precisa atrair setores industriais de ponta tecnológica? Mas, na versão de "interesse nacional" do governo Lula, o cidadão paga na condição de contribuinte e continua pagando como usuário de telefonia para que uns poucos se beneficiem.

Folha de S. Paulo, 29 de abril de 2008

Algumas das dúvidas sobre a fusão da Oi com a Brasil Telecom

Rubens Glasberg, Tele Time

A operação para a fusão entre Brasil Telecom e Oi é um evento cercado de informações não-oficiais, de declarações em off e de muitas dúvidas. Quando um ministro finalmente tenta dar uma informação oficial, como fez Hélio Costa, é logo desmentido pelas empresas e repreendido pelo governo. O governo, que por um lado é apontado pela grande imprensa como o grande fomentador do negócio, não se pronunciou. O BNDES, que parece ser o pilar financeiro da operação, não detalha as diretrizes que está seguindo. As empresas confirmam, oficialmente, apenas conversas. Então, para contribuir para o debate, sugerimos uma relação de perguntas a serem feitas às autoridades responsáveis por permitir ou não a fusão, aos fundos de pensão, ao BNDES e aos acionistas das duas empresas.

A lista é longa, mas se justifica pela complexidade da operação. Vale lembrar que na tarde desta quinta, 31, o presidente Lula recebe a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, para tirar as dúvidas sobre a operação.

1) Qual o interesse público que pode ser atendido com a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi?
Se a resposta for: "Estamos criando uma grande empresa nacional", pergunta-se:

2) Por que uma grande empresa nacional é algo que precisa do apoio do governo para ser criada?

3) O que esta grande empresa nacional fará em benefício do interesse público?

4) Esta grande empresa nacional expandirá sua área de atuação para outros mercados, tornando-se uma multinacional, trazendo divisas para o país?

5) Nesse caso, que oportunidades de negócio existem hoje no mundo para esta empresa?

6) E se esta empresa desistir por qualquer razão de atuar fora do país, o que fará o Estado brasileiro?

7) A empresa nacional ajudará o usuário a ter mais competição? Como? A grande empresa nacional competirá com a Telefônica no Estado de São Paulo e com a Embratel na longa distância?

8) Serão colocadas obrigações específicas a esta grande empresa nacional em relação à universalização dos serviços de banda larga e de telefonia?

9) Se sim, estas obrigações não a tornarão menos competitiva em relação à Telefônica e à Embratel?

10) A Telefônica e a Embratel também serão obrigadas a atuar na área da grande empresa nacional, ampliando a competição?

11) Nesse caso, alguém já perguntou se Telefônica e Embratel aceitam novas obrigações de universalização ou competição?

12) Se, então, a grande empresa nacional será uma forte multinacional e contribuirá para a universalização da banda larga, o que garante que os dois acionistas privados manterão os interesses públicos acima dos interesses privados?
Provavelmente a resposta aqui será: "os fundos de pensão e o BNDES terão acordo de acionistas que garantirá que os interesses públicos estarão acima dos interesses privados".

13) Então quer dizer que cabe aos fundos de pensão a defesa dos interesses públicos do Estado? Mas os fundos de pensão são instrumentos de Estado ou entidades privadas?

14) Os fundos de pensão têm responsabilidades, antes de tudo, com seus cotistas. E se o interesse dos cotistas não for o mesmo dos interesses do Estado?

15) E o que garante que o acordo de acionistas, base de todo o projeto de uma grande empresa nacional, será mantido pelo tempo que perdurar a concessão da grande empresa nacional?

16) Então, uma mudança na presidência do BNDES, ou na gestão dos fundos de pensão, pode levar a uma mudança no acordo de acionistas da grande empresa nacional? Ou ainda, o acordo de acionistas pode ser mudado a qualquer tempo?

17) Então, mudando o acordo de acionistas, os objetivos de uma grande empresa nacional podem ser mudados?

18) E, mudado o acordo de acionistas, a grande empresa nacional pode ser vendida para um grupo estrangeiro?
Se a resposta à pergunta 1 for: "O interesse público por trás da fusão é garantir que Oi e Brasil Telecom tenham condições de competir com Telefônica e Embratel, controladas por multinacionais da Espanha e México, respectivamente", cabe perguntar:

19) Os balanços da Oi e da Brasil Telecom estão ruins?

20) A Telefônica está competindo de maneira agressiva no mercado da Oi e da Brasil Telecom?

21) A Embratel está ameaçando o mercado da Brasil Telecom e da Oi?

22) A Oi e a Brasil Telecom estão tentando competir na área da Telefônica e não estão conseguindo?
Se a resposta à pergunta 1 for: "O interesse público por trás da operação é dar um alternativa de saída para os investimentos dos fundos de pensão e para o Citibank na Brasil Telecom", cabe perguntar:

23) E por que os fundos de pensão e o BNDES optaram por passar de uma posição de controle que têm hoje na Brasil Telecom e na Oi por uma posição minoritária?

24) Os fundos de pensão receberão algum pagamento para deixarem de ser controladores das empresas?

25) Por que o governo deve mudar a legislação para permitir aos fundos de pensão e ao Citibank terem uma opção de saída para seus investimentos?

26) Quem mais será beneficiado pela mudança de legislação para permitir a fusão?

27) Os grupos GP e Opportunity terão benefícios com essa operação de fusão?

28) Alguma parte do que os grupos GP e Opportunity receberão sairá dos recursos dos fundos de pensão ou do BNDES?

29) Se sim, qual o benefício para o BNDES de financiar a operação? Qual o benefício para os fundos de pensão?

30) Para fazer o acordo de fusão, os fundos de pensão precisarão negociar com o Opportunity?

31) Esta negociação significará que alguma ação na Justiça contra Daniel Dantas será retirada?

32) O que os fundos de pensão receberão de Daniel Dantas em troca de um acordo Judicial?

33) De que maneira o interesse público, sobretudo os interesses dos acionistas minoritários da Brasil Telecom, pode prevalecer em um acordo judicial com Daniel Dantas?

34) Quer dizer que as acusações que pesaram contra o Opportunity de fraude, desvio de recursos, enriquecimento ilícito, espionagem, corrupção, podem ser esquecidas em troca de um acordo que viabilize a criação de uma grande empresa nacional?

35) Por que a negociação para a criação de uma grande empresa nacional precisa passar por um acordo com o Opportunity?

36) Por que não processar o Opportunity por tudo o que se pensa que ele fez de errado e, uma vez decidido na Justiça, avaliar o cenário?
Se a resposta à pergunta 1 é: "O interesse público por trás da fusão é a oportunidade de corrigir os eventuais equívocos da privatização e voltar a dar ao Estado e ao capital nacional voz ativa no jogo nacional e internacional das telecomunicações", pergunta-se:

37) Será aproveitada a oportunidade então para corrigir outros pontos que não tiveram sucesso, como impor o compartilhamento de redes para o surgimento de novos competidores?

38) Nesse caso, a grande empresa nacional será obrigada a abrir a sua rede a novas empresas competidoras?

39) A grande empresa nacional terá obrigações de investir em desenvolvimento de tecnologia e pesquisa no Brasil?

40) A nova grande empresa nacional comprará equipamentos brasileiros? Há fabricantes nacionais de equipamentos que possam atender às demandas da grande empresa nacional?

41) Se tiver que investir em pesquisa e comprar equipamentos brasileiros, esta grande empresa nacional será competitiva em relação à Telefônica e Embratel?

42) O modelo atual de telecomunicações foi estabelecido na Lei Geral de Telecomunicações. De que forma o governo estabelecerá uma nova política? Por lei? Decreto? Ato da Anatel?

43) O Congresso, que elaborou o atual modelo, será consultado, já que a Lei Geral de Telecomunicações foi aprovada pelo Congresso?
Se a resposta à pergunta 1 for: "O interesse público está em acomodar vários interesses, já que a Telefônica e a TIM poderão se fundir e a Embratel poderá comprar a Net"

44) Qual o benefício de permitir uma fusão entre Telefônica e TIM?

45) Se é a Lei do Cabo quem impede que a Embratel assuma o controle da Net, o que é que a mudança na legislação para permitir a fusão entre Brasil Telecom e Oi tem a ver com a Lei do Cabo?

46) Por que o governo não exige uma golden share na nova empresa?

47) Por que o governo não estimula a criação de uma grande empresa nacional sem controladores, com capital pulverizado em bolsa?

48) Uma empresa nacional com capital pulverizado, sem controladores, não estaria muito mais blindada contra as variações de interesse de seus acionistas controladores?

49) Para fazer a mudança na legislação e permitir a fusão entre Oi e Brasil Telecom, caberá ao presidente da República a decisão política. A decisão política está tomada ou a sociedade, por meio do Congresso e de consultas públicas, será consultada?

50) A Lei Geral de Telecomunicações estabelece duas diretrizes que norteiam o atual modelo de telecomunicações: universalização e competição. Se a Anatel avaliar que nenhuma destas diretrizes está sendo fomentada com a fusão, a mudança na regulamentação para permitir a operação será feita mesmo assim? Ou o governo estabelecerá novas diretrizes?

51) Se o Cade constatar que existe concentração de mercado com a eventual fusão, o governo voltará atrás em relação à mudança na regulamentação ou o interesse de criar uma grande empresa nacional justifica a concentração?

52) Para avaliar uma eventual mudança no Plano Geral de Outorgas, o Conselho Consultivo da Anatel terá que ser consultado. A Lei Geral de Telecomunicações prevê que o conselho consultivo tenha representantes das prestadoras de serviços de telecomunicações (dois). Quem escolhe estes representantes é o governo. O governo escolherá representantes que não tenham conflito de interesse ao avaliarem uma mudança na regulamentação que permita a fusão?

* Rubens Glasberg é presidente da Converge Comunicações, empresa responsável pelas publicações especializadas Tela Viva, Teletime e Pay TV.

Publicado originalmente no site Teletime em 31 de janeiro de 2008

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Lula, o pelego?

Francisco C. Weffort

Que coisas tão graves em seus gastos na Presidência estará Lula procurando esconder da opinião pública? Que de tão grave têm as despesas dos palácios do Planalto, da Alvorada e da Granja do Torto que possam explicar a cortina de fumaça que o governo criou para impedir o controle dos cartões corporativos de Lula, Marisa, Lulinha, Lurian etc.? A estas alturas, só o governo pode responder a tais perguntas. E como o governo não responde, a opinião pública, sem os esclarecimentos devidos, torna-se presa de dúvidas sobre tudo e todos.

É conhecida a ojeriza de Lula a qualquer controle sobre gastos. Evidentemente os dele, da companheirada do PT, dos sindicatos e do MST, sem esquecer um sem-número de ONGs sobre as quais pesam suspeitas clamorosas. Ainda recentemente, ele vetou dispositivo de lei que exigia dos sindicatos prestação de contas ao TCU dos recursos derivados do imposto sindical (agora "contribuição"). Há mais tempo, Lula era contra o imposto em nome da autonomia sindical. Agora que está no governo, deixou ficar o imposto e derrubou o controle do TCU. Tudo como dantes no quartel de Abrantes. O que o Lula e os pelegos querem é o que já existia na "república populista", dinheiro dos trabalhadores sem qualquer controle.

Lula, a chamada "metamorfose ambulante", não se tornou ele próprio um pelego? Assim como defendeu a gastança dos sindicatos em nome da autonomia sindical, agora defende sua própria gastança na Presidência em nome da segurança nacional. Isso me lembra uma historinha de 1980, bem no início do PT, quando João Figueiredo estava no governo e Lula estava para ser julgado na Lei de Segurança Nacional. Junto com alguns outros, eu o acompanhei numa viagem à Europa e aos Estados Unidos em busca de apoio. Como outros na comitiva, eu acreditava piamente que tudo era em prol da liberdade sindical e da democracia, e as coisas caminharam bem, colhemos muita simpatia e apoio nos ambientes democráticos e socialistas que visitamos. Mas, chegando à Alemanha, fomos surpreendidos pela recepção agressiva do secretário-geral do sindicato alemão dos metalúrgicos. Claro, ele também era a favor da democracia e estava disposto a defender os sindicalistas. Sua agressividade tinha outra origem: o sindicato alemão que representava havia enviado algum dinheiro a São Bernardo e cobrava do Lula a prestação de contas! A conversa, forte do lado alemão, foi num jantar, e não permitia muitos detalhes, mas era disso que se tratava: alguém em São Bernardo falhou na prestação de contas e o alemão estava furioso. Lula se defendeu como pôde, mas, no essencial, dizia que não era com ele, que não sabia de nada.

A viagem era longa. Antes da Alemanha, havíamos passado pela Suécia, e fomos depois a França, Espanha, Itália e Estados Unidos. Em Washington, tivemos um encontro com representantes da AFL-CIO, e ali repetiu-se o mesmo constrangimento. Embora não tão agressivos quanto o alemão, os americanos queriam prestação de contas sobre dinheiro enviado a São Bernardo. Mas Lula, de novo, não sabia responder à indagação referente às contas. Ou não queria responder. Não era com ele.

Nunca dei muita importância a esses fatos. A atmosfera do país nos primeiros anos do PT era outra. Ninguém na oposição estava antenado para assuntos desse tipo. O tema dominante era a retomada da democracia. A corrupção, se havia, estaria do lado da ditadura. Saí da direção do PT em 1989 e me desfiliei em 1995. Até então era difícil imaginar que um partido tão afinado com o discurso da moral e da ética pudesse aninhar o ovo da serpente. Minha dúvida atual é a seguinte: será que a leniência do governo Lula em face da corrupção não tem raízes anteriores ao próprio governo? A propensão a tais práticas não teria origem mais antiga, no meio sindical onde nasceu o PT e a atual "república sindicalista"?

Talvez essa pergunta só encontre resposta cabal no futuro. Mas, enquanto a resposta não vem, algumas observações são possíveis. Parece-me evidente que no momento atual alguns auxiliares da Presidência - a começar pelos ministros Dilma Rousseff, Jorge Hage e general Jorge Felix - foram transformados em escudos de proteção de possíveis irregularidades de Lula e seus familiares. O outro escudo de proteção é Tarso Genro, que usa uma ginástica retórica para, primeiro, garantir, como Dilma, que o dossiê não existia, só um banco de dados. Depois passou a admitir que existia o dossiê, mas que isso todo mundo faz. Mais ou menos como no episódio do mensalão, lembram-se? Naquele momento, o então ministro Thomas Bastos, acompanhado por Delubio Soares, disse que mensalão não existia, que eram contas não regularizadas, sobras de campanha etc. E lula afirmou de público que isso todos os políticos faziam. O que não impediu que o procurador-geral da República visse no mensalão a prática delituosa de uma quadrilha criminosa.

Adotada a teoria do dossiê - aquele que não existia e que passou a existir - criou-se uma pequena usina de rumores, primeiro contra Fernando Henrique Cardoso e Dona Ruth, depois contra ministros do governo anterior. Minha pergunta é a seguinte: quando virão os dossiês contra Lula e Dona Marisa Letícia? Não é este o futuro que deveríamos almejar. Mas no que vai do andar da carruagem dirigida por um Lula cada vez mais ególatra e irresponsável é para lá que vamos, inelutavelmente. Quem viver verá.

FRANCISCO C. WEFFORT
é sociólogo

O Globo, 15 de abril de 2008

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Coluna do Castello

O processo dos humoristas

Através do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o Ministro da Justiça, que o preside, ficou oficialmente inteirado de que continuam presos os nove, redatores e administradores ' do Pasquim. Pôde, assim, verificar que, em favor daqueles jornalistas, não funcionou a ordem de soltura que deveria estar totalmente cumprida até a quinta-feira anterior às eleições.

O professor Alfredo Buzaid provà-velmente estará em condições de atender ao pedido de urgência formulado naquele Conselho para exame do caso. O assunto interessa do Govêrno sob vários ângulos da sua política de segurança, na qual o problema da boa imagem externa parece se impor como um item prioritário. A nós, jornalistas, interessa antes de mais nada como uma questão que afeta a nossa segurança de trabalho, pois ela envolve o delicado e vital tema da liberdade de imprensa.

A comunicação militar ás autoridades judiciais, relativa à prisão, deve ter uma data, a qual todavia não constou do noticiário dos jornais. Nela se informa que os jornalistas são acusados de infração à Lei de Segurança Nacional, embora não se apontem os dispositivos que teriam sido violados. Há uma alusão ao caráter político daquela publicação, mas de ordem bastante genérica e, aparentemente, subjetiva.

Não importa, porém, discutir êsses aspectos do problema, que serão, a seu tempo, apreciados pela Justiça Militar. Não está isso na alçada de um jornalista, por principio solidário com colegas que se viram cerceados no direito de exercer sua profissão. Há uma evidente conotação política na prisão désses jornalistas, cujo processo poderá resultar numa limitação ainda maior da precária liberdade de imprensa permitida pelas autoridades revolucionárias. Êsse o aspecto que interessa á todos, à nossa classe, ao Govérno, à opinião pública. Por aí, sobretudo, o tema se insere no âmbito de apreciação da crônica política à qual cabe ressaltar as implicações do caso no quadro evolutivo das instituições políticas nacionais.

A liberdade de imprensa, como se sabe, é o núcleo das liberdades que configuram o Estado democrático. Da sua plenitude, decorrem garantias de exercício das demais liberdades e franquias, tal a fôrça de contenção implícita no direito de acesso às fontes de informação e de manifestação do pensamento. A liberdade de imprensa é uma válvula de segurança dos cidadãos e do regime. Ela dá a medida da qualidade política objetiva de um govêrno, seja na sua afirmação seja na sua supressão.

Pode-se, portanto, sentir sem dificuldades os riscos inerentes a uma operação que detém praticamente todo o corpo redatorial de uma publicação. No caso brasileiro, isso parece representar o passo de uma escalada, pois até então não havíamos chegado a êsse ponto. Há, por conseguinte, motivos de apreensões, que é nosso dever apontar, alertando o Govérno.

Sabem, por outro lado, as figuras eminentes do mundo oficial que a repercussão mundial de uma restrição dêsse tipo é instantânea e negativa. A perseguição a intelectuais impressiona a opinião pública de todos os países livres, indistintamente. Para que se tenha uma idéia nítida do que, isso representa, basta lembrar o espaço que os jornais brasileiros costumam dedicar, justamente, aos processos contra artistas, escritores e cientistas que são a rotina da União Soviética e de outros Estados que não convivem com a liberdade de espirito inerente à natureza da atividade intelectual.

No caso do pessoal do Pasquim há um dado excitante para a crônica internacional. Pela primeira vez se move um processo coletivo contra humoristas. O processo corre o risco de uma identificação fácil para o leitor de qualquer parte do mundo. Será nas manchetes, sem dúvida, para escândalo geral e para deformação da nossa imagem, o "processo dos humoristas."

Por tôdas essas razões, o Govêrno deve meditar no tema para tratá-lo com os devidos cuidados. O Conselho de Defesa do professor Buzaid poderá atuar com urgência a fim de fixar pontos de restituição de franquias sob todos os aspectos indispensáveis à vida e ao conceito do nosso país.

Carlos Castello Branco

Jornal do Brasil, 29 de novembro de 1970

domingo, 6 de abril de 2008

A despedida do ombudsman da Folha de S. Paulo

Folha de S. Paulo, Mário Magalhães

A Folha condicionou minha permanência ao fim da circulação das críticas diárias na internet; não concordei; diante do impasse, deixo o posto

No ano que passou, quando as noites de domingo se insinuavam, e tantas famílias saíam para o último passeio do fim de semana, a minha sabia que ficaríamos em casa -ou pelo menos não iríamos todos. Era hora de eu começar a longa e solitária jornada madrugada adentro para terminar de esquadrinhar jornais e revistas.

De manhã, com as olheiras a denunciar o sono roubado, leria as edições do dia e escreveria a mais encorpada crítica semanal, a da segunda-feira. Hoje à noite, se alguém me chamar, terá companhia.

Esta é a 51ª e derradeira coluna dominical que escrevo como ombudsman da Folha. Assumi em 5 de abril de 2007, e o meu mandato se encerrou anteontem. Embora o estatuto autorize a renovação por mais dois períodos, não houve acordo com a direção do jornal para a continuidade.

A Folha condicionou minha permanência ao fim da circulação na internet das críticas diárias do ombudsman. A reivindicação me foi apresentada há meses. Não concordei. Diante do impasse, deixo o posto. Oitavo jornalista a ocupar a função, torno-me o segundo a não prosseguir por mais um ano. Todos foram convidados a ficar. Sou o primeiro a ter como exigência, para renovar, o retrocesso na transparência do seu trabalho.

A crítica da quinta foi a última que circulou na Folha Online, com acesso a não-assinantes da Folha e do UOL.

A partir de agora, os comentários produzidos pelo ombudsman durante a semana só poderão ser conhecidos por audiência restrita, de funcionários do jornal e da empresa, que os recebe por correio eletrônico. Os leitores perdem o direito. Era assim nos primórdios do cargo, criado em 1989. A internet engatinhava.

Como se constata no site www.folha.com.br/ombudsman, desde 2000 as críticas vão ao ar. Por oito anos, os leitores puderam monitorar a atividade cotidiana de quem tem a atribuição de representá-los.
Não poderão mais.

Regras

O comando da Folha esgrimiu um argumento para a decisão: no ambiente de concorrência exacerbada do mercado jornalístico, idéias e sugestões do ombudsman são implementadas por outros diários.
De fato, isso ocorre. E continuará a ocorrer.

Quase 20 anos atrás, as críticas ainda denominadas internas eram distribuídas em papel à Redação.
Acabavam nas bancadas de outros jornais. Um deles veiculou publicidade alardeando elogio do ombudsman.

Com a difusão por e-mail, será ainda mais difícil conter a distribuição irregular das anotações do ouvidor. Eventuais interessados, se bem articulados, terão como lê-las. Que segredo sobrevive a centenas de destinatários?

Já os leitores ditos comuns, os que fazem a fortuna de toda empreitada jornalística de sucesso, serão barrados. A medida não resolve o problema a cuja solução se propõe, mas prejudica quem é alheio a ele.
A não-renovação do mandato é legítima, respeita a Constituição do jornal. Sua direção tem a prerrogativa de convidar ou não o ombudsman a permanecer. E de estabelecer as normas. Não há quebra de contrato, e sim respeito.

No meu caso, haveria mudança de regra no meio da gestão, composta de um a três mandatos. Regras, como a Folha recomenda, devem ser estabelecidas antes do jogo.

Autópsia

Não é praxe dos jornais impressos do mundo inteiro compartilhar na rede o que muitos deles chamam de memorando interno do ouvidor.

Assim como, na conferência da Organização dos Ombudsmans de Notícias, com participantes de 13 países, não encontrei quem digitasse todo santo dia, como fazemos aqui, uma crítica ou memorando.
A Folha deu um passo ousado na imprensa brasileira ao nomear um ombudsman. Radicalizou e tornou públicas as críticas antes limitadas à Redação. Mais do que as colunas dominicais, essa espécie de parecer se destina a uma autópsia das edições. Em minúcias, identifica suas fraquezas, sem desprezar as virtudes. Expõe as vísceras do jornal.

O desafio do ombudsman é ser a melhor síntese possível dos interesses dos leitores. A eles interessa que o jornal seja bom. Nas críticas, o ombudsman busca contribuir para que o jornal do dia seguinte seja melhor que o da véspera.

Essa confluência faz do ombudsman um benefício potencial ao leitor e ao jornal.

Mesmo com as críticas vetadas aos leitores, a Folha não perderá a primazia em transparência no jornalismo nacional. As colunas de domingo persistirão, e a publicação de um artigo como este expressa tolerância com o pensamento divergente. Quantos jornais o imprimiriam, se o objeto de análise fossem eles?

Regressão

A despeito desse cenário, a restrição imposta configura regressão na transparência. O projeto editorial da Folha diagnostica "um jornalismo cada vez mais crítico e mais criticado". Reconhece que "o leitor fiscaliza a pauta de compromissos" do jornal.

O ombudsman deve ser um instrumento dos leitores. Se 80% dos pronunciamentos semanais ficam inacessíveis (as críticas de segunda a quinta; não escrevo às sextas), reduz-se a fiscalização dos leitores sobre aquele cuja atribuição é batalhar em nome deles.

Essa peleja não implica, em um exemplo, advogar o alinhamento do jornal com partidários ou opositores das pesquisas com células-tronco embrionárias, mas incentivar o equilíbrio no noticiário e nos espaços de controvérsia.

O ombudsman incapaz de zelar pela manutenção da transparência do seu ofício carece de autoridade para combater pela transparência do jornal. Como cobrar o que se topou diminuir?

A tendência mundial é de expansão da transparência das organizações jornalísticas. A novidade da Folha aparece na contramão.

Agradecimentos

A crítica diária é valiosa como instrumento de diálogo entre os leitores e o ombudsman. O que ele pensa disso e daquilo? Por vezes, a resposta se encontra nos apontamentos do dia. Na semana passada, foi possível conferir se eu perguntei à Folha quem lhe forneceu o dossiê do momento. A resposta significaria romper o compromisso de sigilo com a fonte. Um ministro disse que eu perguntei. Não é verdade.

Se fosse responder aos leitores sem a chance de lhes remeter à crítica on-line, não sei se daria conta do atendimento. Em 1991, primeiro ano do qual sobreviveu estatística, houve 3.748 contatos com o ombudsman. Em 2007, o recorde de 13.374.

Em janeiro, fevereiro e março de 2008, registraram-se marcas inéditas. O salto de 24% na comparação com idêntico trimestre do ano anterior projeta resultado anual superior a 16.500, sem considerar o impacto de eventos como eleição e Olimpíada.

O vigor do Departamento de Ombudsman é manifestação da mudança de comportamento de cidadãos e consumidores de notícias: a fé nos relatos jornalísticos dá lugar ao ceticismo; troca-se a submissão a versões pela leitura crítica; a passividade, por cobrança. Essa é a principal característica do jornalismo do século 21. Merece ser saudada pela sociedade e pelos jornalistas.

Na chegada, eu pensava ter muito a dizer. Ao partir, sei que tenho muito a ouvir.

Gostaria de ter falado de outros assuntos, dos anúncios de prostituição aos interesses cruzados do jornal. Fica para outra vez.

Pelo ano em que fui feliz, agradeço à confiança que a direção da Folha depositou em mim. Tive liberdade para escrever o que quis. Uma executiva me disse que o jornal precisava de um "ombudsman crítico". Tentei desempenhar escrupulosamente a missão.

Sou muito grato à minha supersecretária, Rosângela Pimentel, e ao meu assistente, o futuro jornalista Carlos Murga. Na Secretaria de Redação, devo a Suzana Singer e Alba Bruna Campanerut.

Na editoria de Arte, a Fábio Marra e Julia Monteiro. Ao colocar a coluna no papel e me salvar de vexames maiores, Vanessa Alves coordenou um time talentoso e generoso.

Minha gratidão maior é para quem me deu lições inestimáveis -hoje à noite, em casa ou na rua, não esquecerei o brinde aos leitores da Folha.



Folha de S. Paulo, 6 de abril de 2008