O processo dos humoristas
Através do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o Ministro da Justiça, que o preside, ficou oficialmente inteirado de que continuam presos os nove, redatores e administradores ' do Pasquim. Pôde, assim, verificar que, em favor daqueles jornalistas, não funcionou a ordem de soltura que deveria estar totalmente cumprida até a quinta-feira anterior às eleições.
O professor Alfredo Buzaid provà-velmente estará em condições de atender ao pedido de urgência formulado naquele Conselho para exame do caso. O assunto interessa do Govêrno sob vários ângulos da sua política de segurança, na qual o problema da boa imagem externa parece se impor como um item prioritário. A nós, jornalistas, interessa antes de mais nada como uma questão que afeta a nossa segurança de trabalho, pois ela envolve o delicado e vital tema da liberdade de imprensa.
A comunicação militar ás autoridades judiciais, relativa à prisão, deve ter uma data, a qual todavia não constou do noticiário dos jornais. Nela se informa que os jornalistas são acusados de infração à Lei de Segurança Nacional, embora não se apontem os dispositivos que teriam sido violados. Há uma alusão ao caráter político daquela publicação, mas de ordem bastante genérica e, aparentemente, subjetiva.
Não importa, porém, discutir êsses aspectos do problema, que serão, a seu tempo, apreciados pela Justiça Militar. Não está isso na alçada de um jornalista, por principio solidário com colegas que se viram cerceados no direito de exercer sua profissão. Há uma evidente conotação política na prisão désses jornalistas, cujo processo poderá resultar numa limitação ainda maior da precária liberdade de imprensa permitida pelas autoridades revolucionárias. Êsse o aspecto que interessa á todos, à nossa classe, ao Govérno, à opinião pública. Por aí, sobretudo, o tema se insere no âmbito de apreciação da crônica política à qual cabe ressaltar as implicações do caso no quadro evolutivo das instituições políticas nacionais.
A liberdade de imprensa, como se sabe, é o núcleo das liberdades que configuram o Estado democrático. Da sua plenitude, decorrem garantias de exercício das demais liberdades e franquias, tal a fôrça de contenção implícita no direito de acesso às fontes de informação e de manifestação do pensamento. A liberdade de imprensa é uma válvula de segurança dos cidadãos e do regime. Ela dá a medida da qualidade política objetiva de um govêrno, seja na sua afirmação seja na sua supressão.
Pode-se, portanto, sentir sem dificuldades os riscos inerentes a uma operação que detém praticamente todo o corpo redatorial de uma publicação. No caso brasileiro, isso parece representar o passo de uma escalada, pois até então não havíamos chegado a êsse ponto. Há, por conseguinte, motivos de apreensões, que é nosso dever apontar, alertando o Govérno.
Sabem, por outro lado, as figuras eminentes do mundo oficial que a repercussão mundial de uma restrição dêsse tipo é instantânea e negativa. A perseguição a intelectuais impressiona a opinião pública de todos os países livres, indistintamente. Para que se tenha uma idéia nítida do que, isso representa, basta lembrar o espaço que os jornais brasileiros costumam dedicar, justamente, aos processos contra artistas, escritores e cientistas que são a rotina da União Soviética e de outros Estados que não convivem com a liberdade de espirito inerente à natureza da atividade intelectual.
No caso do pessoal do Pasquim há um dado excitante para a crônica internacional. Pela primeira vez se move um processo coletivo contra humoristas. O processo corre o risco de uma identificação fácil para o leitor de qualquer parte do mundo. Será nas manchetes, sem dúvida, para escândalo geral e para deformação da nossa imagem, o "processo dos humoristas."
Por tôdas essas razões, o Govêrno deve meditar no tema para tratá-lo com os devidos cuidados. O Conselho de Defesa do professor Buzaid poderá atuar com urgência a fim de fixar pontos de restituição de franquias sob todos os aspectos indispensáveis à vida e ao conceito do nosso país.
Carlos Castello Branco
Jornal do Brasil, 29 de novembro de 1970
Através do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o Ministro da Justiça, que o preside, ficou oficialmente inteirado de que continuam presos os nove, redatores e administradores ' do Pasquim. Pôde, assim, verificar que, em favor daqueles jornalistas, não funcionou a ordem de soltura que deveria estar totalmente cumprida até a quinta-feira anterior às eleições.
O professor Alfredo Buzaid provà-velmente estará em condições de atender ao pedido de urgência formulado naquele Conselho para exame do caso. O assunto interessa do Govêrno sob vários ângulos da sua política de segurança, na qual o problema da boa imagem externa parece se impor como um item prioritário. A nós, jornalistas, interessa antes de mais nada como uma questão que afeta a nossa segurança de trabalho, pois ela envolve o delicado e vital tema da liberdade de imprensa.
A comunicação militar ás autoridades judiciais, relativa à prisão, deve ter uma data, a qual todavia não constou do noticiário dos jornais. Nela se informa que os jornalistas são acusados de infração à Lei de Segurança Nacional, embora não se apontem os dispositivos que teriam sido violados. Há uma alusão ao caráter político daquela publicação, mas de ordem bastante genérica e, aparentemente, subjetiva.
Não importa, porém, discutir êsses aspectos do problema, que serão, a seu tempo, apreciados pela Justiça Militar. Não está isso na alçada de um jornalista, por principio solidário com colegas que se viram cerceados no direito de exercer sua profissão. Há uma evidente conotação política na prisão désses jornalistas, cujo processo poderá resultar numa limitação ainda maior da precária liberdade de imprensa permitida pelas autoridades revolucionárias. Êsse o aspecto que interessa á todos, à nossa classe, ao Govérno, à opinião pública. Por aí, sobretudo, o tema se insere no âmbito de apreciação da crônica política à qual cabe ressaltar as implicações do caso no quadro evolutivo das instituições políticas nacionais.
A liberdade de imprensa, como se sabe, é o núcleo das liberdades que configuram o Estado democrático. Da sua plenitude, decorrem garantias de exercício das demais liberdades e franquias, tal a fôrça de contenção implícita no direito de acesso às fontes de informação e de manifestação do pensamento. A liberdade de imprensa é uma válvula de segurança dos cidadãos e do regime. Ela dá a medida da qualidade política objetiva de um govêrno, seja na sua afirmação seja na sua supressão.
Pode-se, portanto, sentir sem dificuldades os riscos inerentes a uma operação que detém praticamente todo o corpo redatorial de uma publicação. No caso brasileiro, isso parece representar o passo de uma escalada, pois até então não havíamos chegado a êsse ponto. Há, por conseguinte, motivos de apreensões, que é nosso dever apontar, alertando o Govérno.
Sabem, por outro lado, as figuras eminentes do mundo oficial que a repercussão mundial de uma restrição dêsse tipo é instantânea e negativa. A perseguição a intelectuais impressiona a opinião pública de todos os países livres, indistintamente. Para que se tenha uma idéia nítida do que, isso representa, basta lembrar o espaço que os jornais brasileiros costumam dedicar, justamente, aos processos contra artistas, escritores e cientistas que são a rotina da União Soviética e de outros Estados que não convivem com a liberdade de espirito inerente à natureza da atividade intelectual.
No caso do pessoal do Pasquim há um dado excitante para a crônica internacional. Pela primeira vez se move um processo coletivo contra humoristas. O processo corre o risco de uma identificação fácil para o leitor de qualquer parte do mundo. Será nas manchetes, sem dúvida, para escândalo geral e para deformação da nossa imagem, o "processo dos humoristas."
Por tôdas essas razões, o Govêrno deve meditar no tema para tratá-lo com os devidos cuidados. O Conselho de Defesa do professor Buzaid poderá atuar com urgência a fim de fixar pontos de restituição de franquias sob todos os aspectos indispensáveis à vida e ao conceito do nosso país.
Carlos Castello Branco
Jornal do Brasil, 29 de novembro de 1970
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