sexta-feira, 11 de julho de 2008

Advogados eram elo com o Planalto

Raymundo Costa, Valor Econômico

Nos anos que se seguiram ao escândalo do "mensalão", o Palácio do Planalto fez uma verdadeira faxina entre os auxiliares mais ligados a Daniel Dantas, dentro do governo e do PT. Por isso, hoje, se declara tranqüilo em relação às investigações da Polícia Federal sobre as atividades do banqueiro, muito embora seja concreta a suspeita de que gente do próprio governo confirmou para Dantas a existência da operação da PF, que deveria ser sigilosa. Alguns dos "40 do mensalão" avaliam que o inquérito pode ajudá-los, se chegar à real origem das transações de Dantas, que julgam estar nas privatizações do governo do PSDB.

O elo mais visível entre Dantas e o Planalto é o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que não nega ter assessorado Dantas judicialmente e de haver levantado os procedimentos policiais e judiciais existentes contra o dono do Opportunity. LEG, como é chamado pelos amigos, conheceu Dantas há pouco mais de um ano e o assessorou na fusão de Brasil Telecom e Oi. Ex-advogado do presidente Lula, do PT e ex-deputado federal, Greenhalgh tem trânsito no governo, mas nunca foi um nome ligado ao banqueiro como foi, por exemplo, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Ou o ex-ministro José Dirceu, conforme apontado na CPI dos Correios. Outro elo entre Dirceu e o Opportunity é o advogado José Luiz de Oliveira Lima, que antes de assumir a defesa de Dirceu, no processo de cassação do ex-deputado, trabalhou para a BrT.

O advogado foi contratado por R$ 1 milhão para defender Dantas no "caso Kroll" (a investigação de nomes-chaves do governo a pedido do banqueiro) por intermédio do publicitário Humberto Braz. Outro publicitário ligado ao dono do Opportunity, Guilherme Sodré, o Guiga, ex-marido da mulher do governador Jaques Wagner (Bahia), foi quem intermediou o contato de Greenhalgh com Dantas.

O banqueiro sempre manteve relações cordiais com o poder, independente de quem ocupava o Planalto. No Congresso, desenvolveu excelente relações com senadores como Antonio Carlos Magalhães - que por mais de uma vez o indicou para a Fazenda -, Jorge Bornhausen e Heráclito Fortes. Quando a oposição tomou o poder, tratou de se acercar dos antigos adversários, especialmente do núcleo mais próximo de Lula. Primeiro por meio do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula. O deputado José Eduardo Cardozo e o ex-deputado Sigmaringa Seixas são outros petistas apontados como próximos.

Entre o fim de março e o início de abril de 2006, Dantas teria decidido sair dos negócios de telefonia. Por meio de Guiga, pediu um encontro com Greenhalgh. Apesar dos 80 mil votos nas eleições de 2006, Greenhalgh não se reelegera, esteve cotado para assumir algum cargo, mas acabou voltando para a antiga profissão de advogado. A princípio - na conversa que teve com Dantas uma semana depois do encontro com Guiga - LEG relutou, mas acabou cedendo aos argumentos do banqueiro.

Sempre em movimento, dando voltas em torno da mesa, Dantas queixou-se de que só arrumara inimigos nos negócios das telecomunicações e queria deixar o ramo. Alegava que vivia na mira da Polícia Federal. Estava certo: a PF não esquecia dele desde que foi apontado como suposto autor de um dossiê sobre contas secretas de Lula e do diretor-geral da PF, à época, Paulo Lacerda, hoje na Abin.

O banqueiro foi aconselhado pelo advogado a dizer claramente que queria deixar os negócios na área das teles, o que ninguém acreditava, e acabar com a guerra judicial que mantinha com os sócios. Isso daria credibilidade para ele tentar um acordo com os sócios.

O primeiro passo foi o levantamento das ações existentes contra Dantas e dele contra seus sócios. Após duras negociações - os outros sócios chegaram a se unir na guerra contra Dantas -, chegou-se ao acordo: as partes se comprometiam a não mais ajuizar ações um contra o outro no futuro, e a retirar simultaneamente todas as demais em curso na Justiça.

Foi quando a repórter Andrea Michael, da "Folha de S. Paulo", publicou que o acordo não interrompera uma investigação sigilosa da PF que deveria levar à prisão de Dantas. A equipe de advogado entrou em campo, inclusive Greenhalgh, que, além de sondar seus contatos no governo e no Congresso, fez uma varredura na Justiça para conferir se havia algum procedimento em curso em relação a Dantas. Todos os juízes responderam "não" à petição enviada à desembargadora Cecília Melo, menos um, Fausto de Sanctis, que quis saber se o questionamento se referia só ao disco rígido de um computador ou a qualquer coisa.

A primeira análise dos advogados era de que se tratava de uma reportagem com o objetivo de fazer um acordo entre as partes. LEG leu o contrário: achava que era uma vingança. Isso acendeu a luz amarela entre os defensores de Dantas, que pediram o habeas corpus preventivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que foi negado.

Logo depois, Humberto Braz, também investigado pela PF, percebeu que estava sendo seguido quando levava o filho à escola. A polícia interceptou o carro e os ocupantes disseram que eram da Abin. Greenhalgh voltou ao circuito. Ligou para o chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho. Mas só na manhã de terça-feira - com os agentes já nas ruas - ficou sabendo que era a PF que estava interessada não só nas atividades do seu cliente, como nas dele próprio.

LEG se recusa a dar entrevistas. Mas a amigos disse que estava tranqüilo: sua relação com Dantas é recente, profissional. Ele crê que, com mais de 30 anos de profissão, além de ser deputado, evidentemente tem amigos aos quais recorreu para entender a situação de seu cliente. Mas estava irritado com a insinuação de que participou do esquema que tentou corromper um delegado da PF.

Valor Econômico, 11 de julho de 2008

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Brejal dos Guajas

Millôr Fernandes

Observação final (a não ser que solicitem muito) com demonstração de matemática elementar meu caro Watson (a partir de dados fornecidos inconscientemente pelo próprio autor), provando que o Brejal, com apenas duas ruas, era uma das maiores cidades do Maranhão, cuíca do mundo.
RATIONALE
1) Na pág. 60 está:
“− Quantos eleitores tem o Brejal?
− 2.053 − ambos responderam”.
II) Pode-se precisar razoavelmente a época da istória pela frase à pág. 10: os dois coronéis eram “da mesma corrente política invicta em todos os pleitos realizados desde a queda da ditadura”. Ribamar está falando da outra ditadura, 1930/45, anterior à dele, 1964/85. Ora, “todos os pleitos” são mais três, no mínimo. Dois, definitivamente, não são todos. Portanto, a istória(!) acontece por volta de 1960, mais ou menos 15 anos depois da queda da ditadura getulista. Isso é estatisticamente importante: nessa época, numa região pobre, a população abaixo de 18 anos elevava-se a mais de 60% (hoje é 40% em todo os país). Mas vamos deixar por 50%. Portanto, os 2.053 eleitores são parcela, não de 100% da população, mas de 50% dela, já que metade não estaria na faixa do voto.
III) Nas quatro linhas finais da istória, numa babaquice que pretende, acho, ser poética-social-irônica, o autor grandíloqua: “...E o povo do Brejal feliz: oitenta por cento de tracoma, sessenta de boba, cem por cento de verminose, oitenta e sete de analfabetos, mas feliz, ouvindo a valsa do Brejal, Brejal dos Guajajaras”.
IV) Ora, quem tem 87% de analfabetos tem apenas 13% de alfabetizados. Como os 50% da população abaixo dos de 18 anos não votam (embora, por serem mais novos, devam ter até maior índice de alfabetização) isso significa que dos 13% de alfabetizados apenas 6,5% votam. Quer dizer, os 2.053 eleitores correspondem a 6,5% da população total. Façam agora uma simples regra de três: “6,5% estão para 2.053 assim como 100% estão para X”, e verificarão que Brejal dos Guajas tinha uma população de 31.584 pessoas. Mesmo distribuindo generosamente 60% dessa população pra área rural (município − do qual, aliás, não se fala), ainda assim teríamos 12.683 pessoas nas duas ruas.
105 pessoas por casa!
Eta, apertamento!
Extraído de "Diário da Nova República, Vol. 3"