Ricardo Balthazar, Valor Econômico
A embaixada dos Estados Unidos em Brasília trabalhou ativamente em 2002 para ajudar Luiz Inácio Lula da Silva a ganhar o apoio do governo americano antes da sua posse, num momento em que esse reconhecimento era considerado crucial para dissipar as desconfianças que o novo presidente despertava nos investidores.
A embaixadora Donna Hrinak expôs seu plano com clareza nas semanas que se seguiram à eleição. Na sua avaliação, Lula sabia que só teria a confiança dos investidores se mantivesse a política econômica de estilo conservador adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas precisava de ajuda para vencer as resistências que ia enfrentar no seu partido.
Em mensagem enviada a Washington em 27 de novembro, um mês após a eleição, a embaixadora disse que o melhor que os EUA poderiam fazer naquela altura era manifestar apoio a Lula e ter paciência, evitando "prescrições insistentes de fora", que só contribuiriam para minar o esforço que o presidente eleito estava disposto a fazer para "manter na linha os doutrinários do próprio PT".
O relatório de Donna faz parte de um conjunto de documentos liberados pelos EUA nos últimos meses a pedido do Valor. O jornal teve acesso aos papéis após apresentar ao Departamento de Estado e outros órgãos do governo americano vários requerimentos amparados na Lei de Liberdade de Informação (Foia, na sigla em inglês).
Os documentos indicam que o empenho de Donna era um reflexo do que ela estava ouvindo em suas conversas. Nos dias que antecederam a eleição de 2002, os diplomatas que lidavam com assuntos econômicos na embaixada foram tomar o pulso dos seus contatos no setor privado. Para sua surpresa, ninguém achava que o Brasil estivesse à beira de um precipício.
Todos apostavam que Lula agiria rapidamente para tranqüilizar o mercado financeiro, mantendo o PT afastado do comando da economia e indicando para presidir o Banco Central alguém que seria recebido com alívio na praça. "O Brasil não tem nenhuma outra escolha", disse um dos contatos da embaixada, conforme relato enviado em outubro a Washington.
Lula sabia da importância que a simpatia americana teria para sua credibilidade e trabalhou desde cedo para conquistá-la. Ele conversou quatro vezes durante a campanha eleitoral com Donna, que assumiu seu posto em Brasília em abril de 2002. Alguns dos seus principais assessores também tiveram contatos freqüentes com ela.
Numa dessas conversas, Lula indicou a Donna que o BC teria mais autonomia em seu governo do que ele admitia em público. "Não era algo que ele achava possível fazer de imediato, mas ele me disse que achava que o BC devia ser independente", disse Donna, em entrevista ao Valor. "Era uma mensagem muito importante naquele momento para Washington."
Os americanos tornaram explícito o apoio a Lula três semanas antes da sua posse, em 10 de dezembro de 2002, quando ele foi recebido pelo presidente George W. Bush na Casa Branca, um privilégio que normalmente é concedido apenas a chefes de Estado no exercício da função. Na saída, o presidente eleito anunciou que Antonio Palocci seria seu ministro da Fazenda.
Bush manifestou entusiasmo quando Lula explicou como pretendia administrar a economia. Em tom de brincadeira, o presidente dos EUA disse que o plano era tão sensato que parecia uma "boa política republicana", como anotou em suas memórias o então subsecretário do Tesouro americano para assuntos internacionais John Taylor, que participou do encontro com Lula.
A boa vontade da Casa Branca contrastava com a apreensão que Lula ainda despertava em Wall Street. No mesmo dia em que ele falou com Bush, a chegada dos petistas ao poder foi apontada como uma fonte de instabilidade para a economia mundial numa reunião do Federal Reserve, o banco central americano, segundo transcrições divulgadas recentemente.
Havia razões de natureza política para o aval de Bush a Lula. A ascensão de líderes esquerdistas como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, era considerada uma ameaça para os interesses de Washington na América Latina, e estabelecer uma relação amistosa com os petistas desde o começo podia ser também uma maneira de conservar a influência dos EUA na região.
Outra fonte de preocupações para os americanos nessa época era a Argentina, que fora chacoalhada por uma crise política e econômica avassaladora depois do fim do regime de câmbio fixo. Tudo que eles não queriam era ver no Brasil uma repetição dos problemas que o vizinho tivera. "As coisas logo se arrumaram com Lula após a eleição, e dali para frente só tivemos alegrias", disse Taylor ao Valor.
Os EUA levaram meses para aprovar um pacote de socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Argentina em 2002. Nos anos seguintes, os argentinos afastaram-se dos americanos e optaram por políticas diferentes do figurino ortodoxo adotado por Lula. Eleito em 2003, o presidente Néstor Kirchner alinhou-se a Chávez e virou um dos seus principais aliados.
Os documentos obtidos pelo Valor sugerem que os petistas procuraram se diferenciar dos vizinhos para manter a credibilidade recém-conquistada. Em outubro de 2005, o ministro Palocci disse ao então subsecretário de Estado dos EUA Robert Zoellick que estava preocupado com o "populismo" na América Latina e citou apenas Brasil, Chile e Uruguai como países que seguiam políticas econômicas responsáveis na vizinhança.
Mas as freqüentes divergências entre os petistas continuaram causando desconforto nos EUA por muito tempo, mesmo quando a economia brasileira parecia ter voltado aos trilhos. Em maio de 2004, pouco antes de deixar seu posto em Brasília e trocar a diplomacia pela iniciativa privada, Donna escreveu num telegrama para Washington que Palocci era uma "exceção" entre os assessores de Lula.
Na sua avaliação, a maioria dos aliados do presidente continuava pressionando-o a assumir um papel mais ativo na economia, criando incômodo para muitas empresas. "Essa inclinação fez proliferar novas barreiras para investidores", disse Donna, citando como exemplos as mudanças promovidas pelo PT nas agências reguladoras e nas concessões do setor elétrico.
O embaixador John Danilovich, que substituiu Donna, teve outras aflições. O escândalo do mensalão deixou Lula acuado e paralisou o governo em 2005. Acusado de sonegação fiscal na mesma época, o presidente do BC, Henrique Meirelles, parecia com os dias contados. Em julho, Danilovich mandou sua equipe tirar a temperatura dos mercados financeiros.
Um dos interlocutores da embaixada afirmou que nada iria mudar, mesmo se Lula fosse afastado da Presidência, Palocci caísse ou Meirelles fosse para casa. Segundo o contato dos americanos, o governo Lula havia demonstrado a existência de "um consenso nacional sobre o que deve ser a política econômica", e qualquer um que viesse depois seria obrigado a fazer tudo igual. Como em 2002, ninguém parecia ter medo de mais nada.
A embaixadora Donna Hrinak expôs seu plano com clareza nas semanas que se seguiram à eleição. Na sua avaliação, Lula sabia que só teria a confiança dos investidores se mantivesse a política econômica de estilo conservador adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas precisava de ajuda para vencer as resistências que ia enfrentar no seu partido.
Em mensagem enviada a Washington em 27 de novembro, um mês após a eleição, a embaixadora disse que o melhor que os EUA poderiam fazer naquela altura era manifestar apoio a Lula e ter paciência, evitando "prescrições insistentes de fora", que só contribuiriam para minar o esforço que o presidente eleito estava disposto a fazer para "manter na linha os doutrinários do próprio PT".
O relatório de Donna faz parte de um conjunto de documentos liberados pelos EUA nos últimos meses a pedido do Valor. O jornal teve acesso aos papéis após apresentar ao Departamento de Estado e outros órgãos do governo americano vários requerimentos amparados na Lei de Liberdade de Informação (Foia, na sigla em inglês).
Os documentos indicam que o empenho de Donna era um reflexo do que ela estava ouvindo em suas conversas. Nos dias que antecederam a eleição de 2002, os diplomatas que lidavam com assuntos econômicos na embaixada foram tomar o pulso dos seus contatos no setor privado. Para sua surpresa, ninguém achava que o Brasil estivesse à beira de um precipício.
Todos apostavam que Lula agiria rapidamente para tranqüilizar o mercado financeiro, mantendo o PT afastado do comando da economia e indicando para presidir o Banco Central alguém que seria recebido com alívio na praça. "O Brasil não tem nenhuma outra escolha", disse um dos contatos da embaixada, conforme relato enviado em outubro a Washington.
Lula sabia da importância que a simpatia americana teria para sua credibilidade e trabalhou desde cedo para conquistá-la. Ele conversou quatro vezes durante a campanha eleitoral com Donna, que assumiu seu posto em Brasília em abril de 2002. Alguns dos seus principais assessores também tiveram contatos freqüentes com ela.
Numa dessas conversas, Lula indicou a Donna que o BC teria mais autonomia em seu governo do que ele admitia em público. "Não era algo que ele achava possível fazer de imediato, mas ele me disse que achava que o BC devia ser independente", disse Donna, em entrevista ao Valor. "Era uma mensagem muito importante naquele momento para Washington."
Os americanos tornaram explícito o apoio a Lula três semanas antes da sua posse, em 10 de dezembro de 2002, quando ele foi recebido pelo presidente George W. Bush na Casa Branca, um privilégio que normalmente é concedido apenas a chefes de Estado no exercício da função. Na saída, o presidente eleito anunciou que Antonio Palocci seria seu ministro da Fazenda.
Bush manifestou entusiasmo quando Lula explicou como pretendia administrar a economia. Em tom de brincadeira, o presidente dos EUA disse que o plano era tão sensato que parecia uma "boa política republicana", como anotou em suas memórias o então subsecretário do Tesouro americano para assuntos internacionais John Taylor, que participou do encontro com Lula.
A boa vontade da Casa Branca contrastava com a apreensão que Lula ainda despertava em Wall Street. No mesmo dia em que ele falou com Bush, a chegada dos petistas ao poder foi apontada como uma fonte de instabilidade para a economia mundial numa reunião do Federal Reserve, o banco central americano, segundo transcrições divulgadas recentemente.
Havia razões de natureza política para o aval de Bush a Lula. A ascensão de líderes esquerdistas como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, era considerada uma ameaça para os interesses de Washington na América Latina, e estabelecer uma relação amistosa com os petistas desde o começo podia ser também uma maneira de conservar a influência dos EUA na região.
Outra fonte de preocupações para os americanos nessa época era a Argentina, que fora chacoalhada por uma crise política e econômica avassaladora depois do fim do regime de câmbio fixo. Tudo que eles não queriam era ver no Brasil uma repetição dos problemas que o vizinho tivera. "As coisas logo se arrumaram com Lula após a eleição, e dali para frente só tivemos alegrias", disse Taylor ao Valor.
Os EUA levaram meses para aprovar um pacote de socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Argentina em 2002. Nos anos seguintes, os argentinos afastaram-se dos americanos e optaram por políticas diferentes do figurino ortodoxo adotado por Lula. Eleito em 2003, o presidente Néstor Kirchner alinhou-se a Chávez e virou um dos seus principais aliados.
Os documentos obtidos pelo Valor sugerem que os petistas procuraram se diferenciar dos vizinhos para manter a credibilidade recém-conquistada. Em outubro de 2005, o ministro Palocci disse ao então subsecretário de Estado dos EUA Robert Zoellick que estava preocupado com o "populismo" na América Latina e citou apenas Brasil, Chile e Uruguai como países que seguiam políticas econômicas responsáveis na vizinhança.
Mas as freqüentes divergências entre os petistas continuaram causando desconforto nos EUA por muito tempo, mesmo quando a economia brasileira parecia ter voltado aos trilhos. Em maio de 2004, pouco antes de deixar seu posto em Brasília e trocar a diplomacia pela iniciativa privada, Donna escreveu num telegrama para Washington que Palocci era uma "exceção" entre os assessores de Lula.
Na sua avaliação, a maioria dos aliados do presidente continuava pressionando-o a assumir um papel mais ativo na economia, criando incômodo para muitas empresas. "Essa inclinação fez proliferar novas barreiras para investidores", disse Donna, citando como exemplos as mudanças promovidas pelo PT nas agências reguladoras e nas concessões do setor elétrico.
O embaixador John Danilovich, que substituiu Donna, teve outras aflições. O escândalo do mensalão deixou Lula acuado e paralisou o governo em 2005. Acusado de sonegação fiscal na mesma época, o presidente do BC, Henrique Meirelles, parecia com os dias contados. Em julho, Danilovich mandou sua equipe tirar a temperatura dos mercados financeiros.
Um dos interlocutores da embaixada afirmou que nada iria mudar, mesmo se Lula fosse afastado da Presidência, Palocci caísse ou Meirelles fosse para casa. Segundo o contato dos americanos, o governo Lula havia demonstrado a existência de "um consenso nacional sobre o que deve ser a política econômica", e qualquer um que viesse depois seria obrigado a fazer tudo igual. Como em 2002, ninguém parecia ter medo de mais nada.
Lula só usa com os amigos a
palavra "cooperar", diz Amorim
Valor Econômico
Valor Econômico
De Brasília
Provocou constrangimento no Itamaraty a revelação, pelo Valor, de que o governo Lula discutiu com integrantes do governo George W. Bush a "contenção" dos arroubos de presidentes hostis aos EUA, na Bolívia e na Venezuela. "Não comento documentos oficiais americanos", disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao ser perguntado sobre as declarações do ex-ministro José Dirceu, de que estaria "sob controle" do Brasil a situação política na Bolívia às vésperas da eleição de Evo Morales, e que teria pedido moderação a Hugo Chávez.
"Ele teria dito, ou o documento disse que ele disse?", duvidou Amorim. "Inúmeras vezes participei de conversas com o presidente Lula com os presidentes Chávez e Morales e nunca ouvi ele usar as palavras conter, represar, obstar, dificultar", disse. "A palavra que ele usa é cooperar." Amorim garantiu que o Brasil se limitou a oferecer ajuda aos governos amigos para solução dos problemas internos ou com países vizinhos.
Valor Econômico, 7 de maio de 2008
"Ele teria dito, ou o documento disse que ele disse?", duvidou Amorim. "Inúmeras vezes participei de conversas com o presidente Lula com os presidentes Chávez e Morales e nunca ouvi ele usar as palavras conter, represar, obstar, dificultar", disse. "A palavra que ele usa é cooperar." Amorim garantiu que o Brasil se limitou a oferecer ajuda aos governos amigos para solução dos problemas internos ou com países vizinhos.
Valor Econômico, 7 de maio de 2008
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