Leia a decisão no Processo 583.11.2006.116807-7
VISTOS. PAULO HENRIQUE DOS SANTOS AMORIM, qualificado nos autos, promove ação de indenização por danos morais em face de EDITORA ABRIL S/A. e DIOGO MAINARDI, também qualificados, sustentando ofensa a sua honra pessoal e profissional, bem como à sua imagem, e violação à sua intimidade por parte dos réus, através da publicação de matéria na revista VEJA, edição 1.972, ano 39, n. 35, em 06.09.2006, sob o título “A voz do PT”, de autoria do segundo-réu. Requer indenização por danos morais, sugerindo a fixação de condenação não inferior a 1.500 salários mínimos no que concerne aos danos à sua honra e imagem e pelo dano à sua intimidade o acréscimo de outros R$0,50 por unidade de revista posta em circulação da edição referida. Junta documentos.
Os réus foram citados por carta (fls. 261/262). Porém, sobreveio petição da co-ré EDITORA ABRIL, requerendo que a citação do co-réu DIOGO seja realizada no endereço do Rio de Janeiro (fls. 263). Deferida a pretensão (fls. 265), o autor postulou pedido de reconsideração da decisão, sustentando a validade da citação do co-réu DIOGO no endereço da empresa em São Paulo (fls. 266/267). Os argumentos foram acolhidos, sendo considerada válida a citação, fixando como início do prazo de defesa a data da publicação da decisão (fls. 289), que se efetivou em 01.02.1007 (fls. 290). Pedido de reconsideração da co-ré EDITORA ABRIL as fls. 291/293. Decisão mantida a fls. 294.
Contestação dos réus as fls. 299/325 e 319/326, desacompanhadas do instrumento de procuração e, no caso da pessoa jurídica, do ato constitutivo. Réplica do autor as fls. 328/347. Determinada a especificação de provas (fls. 392), sobreveio petição da co-ré EDITORA ABRIL, juntado instrumento de mandato e ata da assembléia geral extraordinária (fls. 400/434). Petição do co-réu DIOGO, regularizando sua representação as fls. 441/442. Realizada audiência de conciliação (fls. 470).
É o relatório. Fundamento e decido.
O processo comporta julgamento antecipado, na forma do art. 330, II, do CPC. Assiste razão ao autor, quando sustenta que o prazo para juntada do instrumento de procuração é de 15 dias, a contar da prática do ato urgente (no caso o oferecimento de contestação), prorrogável por mais 15 dias, diante de despacho judicial, provocado por pedido da parte (art. 37, “caput”, do CPC.).
O prazo de 15 dias é automático, não depende de determinação judicial. Nesse sentido pronuncia-se a jurisprudência: “Este prazo de 15 dias “para que o advogado exiba o instrumento de mandato outorgado pelo interessado é automático, dispensando qualquer ato da autoridade judicial, previsto apenas para a hipótese de prorrogação (RTJ 116/700” (JTA 123/89). No mesmo sentido: RTJ 172/981, RT 709/87, JTJ 148/174)” (NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. – 33ª. ed. atual. até janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2002, p.148, nota 6c. ao art. 37). Findo o prazo de 15 dias, sem requerimento de prazo adicional, os atos “praticados serão havidos por inexistentes”, a teor do art. 37, parágrafo único, do CPC. Aliás, também neste sentido orienta-se a jurisprudência: “Se o advogado não juntou procuração nem protestou pela sua juntada no prazo de 15 dias, o ato é inexistente (STF-RT 735/203), não sendo o caso de aplicar-se o art. 13, que cuida de hipótese diversa – irregularidade de representação, e não falta de procuração (RTJ 144/605, maioria). A ementa deste acórdão consigna que “a representação tardia do instrumento de mandato não convalida atos havidos por inexistentes pela lei processual civil” (NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. – 33ª. ed. atual. até janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 149, nota 9a. ao art. 37).
Ora, no caso vertente os réus ofertaram contestação em 12.02.2007 (fls. 299/325 e 319/326), sendo que só juntaram procuração e, no caso da ré pessoa jurídica, a ata da assembléia geral extraordinária, em 26.03.2007 (ré EDITORA ABRIL – fls. 400/434) e 09.04.2007 (réu DIOGO - fls. 441/442), fora, portanto, da quinzena legal. Não há pedido de prazo adicional de 15 dias, de forma que os atos praticados são inexistentes, na forma do art. 37, parágrafo único, do CPC. O efeito da ausência de contestação é a revelia, na forma do art. 319 do CPC. Não se conhece, portanto, dos termos das contestações havidas por inexistentes.
Passo ao exame do mérito.
A ação é improcedente.
Em que pese a existência de revelia, que torna incontroverso os fatos articulados, diante da presunção de veracidade que milita em seu favor, conforme art. 319 do CPC, a solução jurídica não favorece o autor. O exame da matéria publicada não permite extrair a ofensa à honra, pessoal ou profissional, do autor, nem a sua imagem ou privacidade. Não é possível esquecer que o autor é um homem público, um jornalista renomado, uma personalidade notória, que, dessa forma, tem a sua imagem e vida íntima ou privada sujeita a uma maior exposição pública.
A sociedade tem interesse em conhecer os passos de personalidades notórias, conhecer como vivem, o que fazem etc. Cabe consignar, ainda, que a matéria veiculada é de interesse público e que a menção ao autor decorre da abordagem de fatos também de interesse público. Ora, a matéria publicada envolve fundos de pensão, BRASIL TELECOM e “INTERNET GROUP” (IG). É fato notório e veiculado largamente na imprensa que a BRASIL TELECOM adquiriu parte do capital da “INTERNET GROUP”, sendo que aquela pessoa jurídica possui ações de fundos de pensão, o que também acabou sendo objeto de informação jornalística amplamente divulgada. Nessa seara é possível dizer que o interesse público em conhecer a destinação dos fundos de pensão legitima o direito de informação.
O réu Diogo abordou o tema e assim o fazendo, para noticiar vínculos da “Internet Group” com fundos de pensão e “blog” de militantes do Partido dos Trabalhadores e jornalistas naquele inseridos (IG), acabou por mencionar o nome do autor, em inequívoca intenção crítica, mas que se vê compreendida dentro dos limites do exercício do direito de informação. Ademais, o autor, na qualidade de jornalista, está exposto às críticas quanto a seu trabalho, não se vislumbrando intenção ofensiva à sua honra ou imagem no corpo da matéria veiculada.
Quando se menciona a fase descendente de sua carreira, o intuito não é o de menosprezá-lo. Sem dúvida o autor já foi jornalista da Rede Globo de Televisão, apresentando programas de elevadíssima audiência, de forma que a menção à “carreira descendente” visa apenas identificá-lo como estando hoje em veículo de menor expressão do que aquele outrora. Talvez até tenha sido empregada para criticar sua defesa do “lulismo”, conforme sustenta o réu, mas dentro do limite crítico aceitável, até porque o autor de obra literária, ou de que qualquer forma de jornalismo, como é o caso, está sempre sujeito às críticas em relação ao seu trabalho. Aliás, a lei penal exclui a ilicitude da ofensa à honra, quando expressa por intermédio de crítica literária ou artística sem intenção de injuriar ou difamar (art. 142, II, do CP).
Há na matéria a intenção de criticar o governo e integrantes do Partido dos Trabalhadores, bem como o autor, por estar vinculado àquele, defendendo-o em seu “blog”, o que não viola qualquer direito de imagem ou honra deste último. Até mesmo na menção ao contrato entre o autor e o IG não se encontra ofensa à sua privacidade, posto que o interesse público em jogo legitima que se traga ao conhecimento da sociedade a destinação de dinheiro público, quando se vincula os fundos de pensão à BRASIL TELECOM e esta à “Internet Group”, contratante do autor, seja como pessoa física ou jurídica pouco importa. O fato é verdadeiro e não há evidencia de tentativa de deturpá-lo, visando atingir a honra, imagem ou privacidade do autor.
A matéria não busca expor a intimidade do autor, mas o vínculo contratual deste com o IG e este com os fundos de pensão, para também criticar o apoio do jornalista aos atos do governo, conforme sustenta a matéria escrita pelo co-réu Diogo e publicada pela ré EDITORA ABRIL. Pouco importa se o valor do contrato é de R$ 80.000,00, R$ 40.000,00 ou R$ 20.000,00. O valor do contrato ainda que eventualmente incorreto (não se discute o valor correto porque desnecessário e protegido pelo sigilo necessário) é citado apenas para indicar a destinação do dinheiro público, quando o réu vincula, de um lado os fundos de pensão e de outro, ao final da ponta, o autor, pelo vínculo contratual que tem com o IG e o fato de nele haverem “blogs”, dentre eles o do autor, defendendo o governo.
Mesmo quando é citada a expressão “DIP de Luiz Gushiken”, a crítica está dentro do contexto da vinculação do autor com o “lulismo”, sem intenção ofensiva à honra ou imagem do autor. Não se observa na matéria a afirmação de fatos inverídicos, deturpados, ou mesmo crítica à forma jornalística desenvolvida pelo autor em seu “blog” junto ao IG, com o intuito ofensivo a quaisquer valores de sua personalidade. Como jornalista, o autor está exposto a tais críticas, sendo que os fatos da forma em que narrados veiculam matéria de interesse público.
Deve ser sopesado o direito à informação, à crítica jornalística destituída de intuito ofensivo e à privacidade e intimidade de personalidade notória, que possui exposição pública mais ampla do que outra pessoa qualquer, sem tais atributos. No caso vertente o interesse público na matéria jornalística acaba sobrepondo-se, até porque a partir dela fatos de interesse social acabam sendo apurados e muitos deles indicam ilegalidades que só viriam à tona a partir da publicação. O autor, competente e por isso renomado jornalista, há de compreender melhor as licenças da imprensa e as críticas que os jornalistas estão legitimados a produzir, a fim de expor sua visão sobre a atuação do Poder Público e vínculos privados de notório interesse social.
Ante ao exposto, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO, deixando de impor ao autor o ônus da sucumbência, na medida em que não há resistência adequada por parte dos réus (revéis). Transitada em julgado, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 31 de outubro de 2007.
MANOEL LUIZ RIBEIRO
Juiz de Direito
Revista Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2007
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